Para partes da indústria, 2016 foi um ano lento para os videogames. A GameStop diminuiu sua previsão inicial das vendas do outono, conforme as novas sequências de séries de alto orçamento como “Call of Duty: Infinite War” e “Titanfall 2” tiveram um rendimento menor do que os seus antecessores dentro das suas respectivas janelas de lançamento.
No tocante aos hardwares, uma das grandes histórias do ano foi o lançamento dos headsets de realidade virtual HTC Vive, Oculus Rift e PlayStation VR. Só o tempo dirá se esses sistemas ganharão tração com os consumidores além do público pioneiro, mas, em todo caso, há um potencial imenso na realidade virtual.
Do lado dos softwares, este foi um bom ano para os jogos menores. Apesar de, por muitos anos, a indústria ter produzido jogos que precisam de uma dúzia ou mais horas para zerar, este ano foi testemunha do lançamento de um número de títulos que faziam da sua brevidade sua virtude.
Seguem alguns dos jogos que mais ocuparam os nossos pensamentos este ano, dos quais mais da metade dá para zerar em menos de umas cinco horas.
INSIDE (PC, PS4, Xbox One)
Desenvolvido ao longo de cinco anos pelos criadores de “Limbo”, “Inside” gira em torno da exploração de um mistério. Nesse jogo meio puzzle, meio plataforma 2D, um menino sem rosto precisa andar por uma paisagem surreal habitada por carcaças de porco, vítimas de controle mental e monstruosidades biológicas. A atmosfera sinistra de “Inside” lembra os mestres escandinavos do cinema arte. Nada no jogo parece supérfluo. Nenhum puzzle é exagerado. Nenhuma sequência de ação dura mais do que deveria. Sua direção de arte impecável e edição sonora minimalista revelam uma visão artística plenamente realizada.
‘Inside’: uma obra-prima dos videogames
HITMAN (PC, PS4, Xbox One)
O Agente 47, com sua careca e rosto inexpressivo, é o protagonista ideal de videogame, uma não-entidade que troca de identidades o tempo inteiro. Seu talento é a total ausência – de personalidade, preferência ou relações anteriores – que lhe permite penetrar cada vez mais fundo nas camadas dos seis espaços episódicos do jogo. Ele incorpora supermodelos, espantalhos, psicoterapeutas, sushimen e seguranças enquanto atravessa um caleidoscópio de relações sociais. O diálogo de fundo e o trabalho de espionagem de confissões particulares cria uma sensação em torno do mundo e do personagem que logo se torna muito mais envolvente do que o enredo geral do jogo ou seus assassinatos violentos.
SUPERHOT (Mac, PC, Xbox One)
“Superhot” rompe com a forma convencional dos jogos de tiro em primeira pessoa ao remover a necessidade de reagir freneticamente às ameaças dos seus arredores. “O tempo anda quando você anda” é o lema do jogo. Porque tudo fica parado enquanto você estiver parado, é possível pensar com cuidado a melhor abordagem contra os seus antagonistas. Vá rápido demais e eles irão se aproveitar da sua velocidade. Vá devagar demais, no entanto, e os seus inimigos desviarão com facilidade dos seus ataques. O que eleva “Superhot” a nível de uma obra de arte é como ele se dobra sobre si mesmo e questiona seus próprios valores. O jogo pede explicitamente aos jogadores para que reflitam sobre sua própria submissão a sistemas peculiares. Temos aqui um jogo de tiro com uma bússola moral inteligente.
THE WITNESS (PC, PS4, Xbox One)
“The Witness” é uma criação grandiosa e surpreendente. Uma continuação de “Braid”, de Jonathan Blow, lançado em 2008, o jogo é construído em torno de uma série de painéis com puzzles espalhados por uma ilha abandonada, muitos dos quais começam gradualmente a se distorcer, quebrar e às vezes inverter sua própria lógica. Esses puzzles provocam os jogadores e os levam a exagerar na identificação de padrões, prendendo-os na inflexibilidade de seus próprios pensamentos, conforme os puzzles subsequentes vão sendo construídos sobre outros pretextos distintos. É um jogo que apresenta o pensamento indutivo como um tipo de venda que precisa ser retirada o tempo inteiro para entender melhor aquilo que está bem diante do seu rosto.
VIRGINIA (Mac, PC, PS4, Xbox One)
Inspirado no jogo “Thirty Flights of Loving” e séries dramáticas como “Twin Peaks”, “Virginia” é um jogo de aventura, que tem como ponto forte sua história sobre traição e os compromissos éticos que as pessoas fazem para manter seus empregos e relações pessoais. Os jogadores assumem o papel de Anne Tarver, uma agente do FBI acusada pelo seu supervisor de estar espionando seu parceiro como parte de uma investigação de assuntos internos. Deixando o diálogo de lado, o jogo carrega seu peso emocional ao misturar a perspectiva em primeira pessoa com transições de cena deslumbrantes baseadas em técnicas de edição de cinema. “Virginia” demonstra o quanto os videogames chegaram longe em termos de sua capacidade de contar histórias comoventes sem a necessidade de violência ou ameaças constantes de perigo.
NO STARS, ONLY CONSTELLATIONS (PC)
O seu desenvolvedor, Robert Yang, descreveu a arte de olhar as estrelas como “uma das formas mais antigas de magia já praticadas”, um foco profundo que leva a imaginação a novas e estranhas visões. “No Stars, Only Constellations” é um remake de um dos primeiros jogos de Yang, de traçar constelações num céu estrelado enquanto uma outra pessoa, que está tendo um encontro com você, descreve a história por trás de cada uma delas. A nova versão sobrepõe o céu com um mapa astronômico renascentista, com suas bestas elegantes e padrões náuticos, para ajudar a guiar o seu olhar. Você também vai passar por flashbacks periódicos da sua relação com o rapaz vulgar e meio sem graça que faz aqui o papel do seu guia pelas estrelas. Assim como esbarrar num novo amor, esse é um jogo breve e despretensioso, que dá a impressão de poder continuar para sempre, até o momento em que tudo termina.
DOOM (PC, PS4, Xbox One)
Dado o excesso de jogos de tiro no mercado, pode ser difícil para um título mais tradicional em primeira pessoa se destacar, especialmente um que tem como protagonista um fuzileiro espacial taciturno. Mas a campanha single-player hiperviolenta de “Doom” consegue prender a atenção por conta de seu ritmo excelente e inimigos bem pensados. Para progredir em “Doom” é preciso internalizar os padrões de comportamento dos seus adversário demoníacos de tal modo que sua resposta aos seus ataques seja feita com precisão em vez de sorte. Não por caso, seu diretor criativo, Marty Stratton, comparou “Doom” a uma partida de xadrez rápido. Todo o jogo gira em torno desses riscos calculados e das alegrias do contra-ataque.
“Doom”: um jogo sobre o prazer da violência sem ambiguidade
ANATOMY (PC, Mac)
Um dos vários jogos menores lançados este ano por Kitty Horrorshow, “Anatomy” é uma aula viva de teorias perturbadoras sobre o porquê de os seres humanos terem escolhido construir lares permanentes. Sua história é narrada através de fragmentos de áudio em fitas cassete espalhadas ao longo de uma recriação sinistra de uma casa suburbana, e os visuais rudimentares, reminiscentes dos primeiros jogos em 3D, acrescentam uma sensação incômoda de deslocamento. Logo, as interpretações das fitas começam a parecer suas próprias casas retóricas – pensamentos usados para se barrar do mundo selvagem externo –, o que fica ainda mais horripilante quanto mais barreiras surgem, tanto reais quanto imaginárias.
REZ INFINITE (PS4)
Este foi o ano em que a realidade virtual deu seus primeiros passos para ganhar a aceitação do público em geral. Mas, por mais impressionante que seja a tecnologia de envolver os usuários em mundos virtuais, não há muitos jogos disponíveis que sirvam para qualquer coisa além de uma distração momentânea. “Rez Infinite” é uma exceção. “Rez” foi tido já como um clássico desde sua estreia no Dreamcast, em 2001. Mas, assim como o seu avatar em evolução preso numa simulação de computador, o jogo se refinando mais e mais a cada iteração. Difícil encontrar uma experiência de realidade virtual mais arrebatadora que esta no momento.
MIRROR’S EDGE CATALYST (PC, PS4, Xbox One)
“Mirror’s Edge Catalyst” inicialmente dá a impressão de ser um jogo que errou a mão em tudo, tendo perdido todos os charmes do jogo original em meio aos excessos corporativos. A história é dura e incompreensível, o sistema de combate pode ser reduzido a um único ataque repetido, o seu mundo aberto está cheio de missões repetitivas de entregar alguma coisa a algum lugar, e a maioria dos bairros da cidade parecem clones com cores diferentes. Mas, debaixo de todas essas decisões duvidosas, temos uma renderização de movimentos em primeira pessoa que captura as alegrias cinéticas tão bem quanto qualquer outro jogo lançado este ano – uma reconfiguração surreal dos sentidos humanos numa experiência em que o movimento é a sua própria recompensa.
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