Condenado pelo Tribunal de Contas da União por dano ao erário público e obrigado a devolver mais de R$ 250 mil em recursos e pagar multa de R$ 42 mil, o presidente da Fundação Cultural de Curitiba, Maurício Appel, diz que não há nenhum impedimento legal que o impeça de ocupar o cargo. A Lei Municipal da Ficha Limpa, que regula a contratação de pessoas em cargo de comissão no funcionalismo municipal, impede que sejam nomeados indivíduos que tenham sido condenados pela Justiça Comum ou pela Justiça Eleitoral ou que tenham reprovadas contas relativas ao exercício de cargos e funções públicas, entre outros critérios. Mas será que para além da questão legal existe um problema ético em um condenado por dano às contas públicas assumir um cargo de primeiro escalão na administração municipal?
O Caderno G ouviu especialistas em ética pública que avaliaram a questão. Não há consenso, mas a maioria indica que existe um problema ético e de malversação de recursos públicos.
“A figura deve se manter afastada até que recupere sua confiança pública”
A advogada Adriana D’Ávila Oliveira, professora de Ética da Escola Superior de Advocacia e membro do Tribunal de Ética e Disciplina da seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR) recorre ao provérbio que diz que “À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. “Dado o momento político-social que vivemos, seria conveniente e recomendável um afastamento”, afirma. Para Adriana, a postura ética deveria partir do próprio agente, que “deve ter uma conduta ilibada, salvo de qualquer tipo de crítica”.
“Se um prefeito tem suas contas reprovadas, fica inelegível. Esta é uma situação semelhante”
Para o professor de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná Luiz Domingos Costa, a Lei da Ficha Limpa parece exigente, mas tem pouca consistência técnica. “Pode não ter havido nenhum desvio, mas se o agente está com ‘certidão positiva’ não deveria assumir cargo até que resolva a pendência, seja no STF ou pagando”, diz. Para Costa, a situação pode minar a legitimidade e o apoio popular ao prefeito. “Se o prefeito não fizer nada, indica que está preocupado em angariar apoio fazendo uma política tradicional, explorando um mercado que não depende da ética, mas de serviços”, completa.
“Não existe indício ou indicativo de prática de crime”
Pós-doutor em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa, em Portugal, Álvaro Gonzaga, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, afirma que não há indicativo de crime na condenação pelo TCU, ou o Ministério Público teria tomado medidas. “O indicado mostra não ter intimidade com requisitos de bom gestor de recursos públicos”, afirma. “Mas o atual gestor reconhece sua capacidade de gerir a pasta e valido com reconhecimento no cargo de gestor”, completa. Para Gonzaga, uma condenação pelo TCU não faz com que o indivíduo seja improbo ou antiético.
“Em termos de moral pública haveria normas suficientes para a condenação ser um impeditivo”
Na avaliação do professor de Direito e secretário-geral de aperfeiçoamento institucional da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Henrique Cademartori, a condenação pelo TCU pode ser um impeditivo para a nomeação dependendo da norma específica com que seja comparada. “O princípio constitucional da moralidade rege tudo. É uma questão de como estão interpretando, se usando uma lei específica ou considerando normas gerais”, afirma. Segundo Cademartori, vários órgãos reguladores poderiam ser acionados para interceder, desde o Ministério Público até a Ouvidoria do município.
Entenda o caso
Em 2003, o atual presidente da Fundação Cultural de Curitiba, Maurício Appel, captou recursos de R$ 430 mil via lei de incentivo à cultura para a produção de um CD com a trilha sonora do filme “O Preço da Paz”. A prestação de contas do projeto deveria ter ocorrido em 2004, mas só foi feita, parcialmente, em 2012. Em 2014, Appel sofreu a primeira condenação pelo Tribunal de Contas da União ordenando a devolução de parte dos recursos captados. Em maio de 2016 o processo foi transitado em julgado, obrigando-o a devolver R$ 250 mil aos cofres públicos e pagar multa de R$ 42 mil.
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