Até o fim de 2005, a Câmara Municipal de Curitiba deverá votar um projeto que reformula a Lei Municipal de Incentivo à Cultura. As propostas que alteram o mecanismo de fomento foram discutidas na última quarta-feira, em uma audiência pública promovida pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara Municipal e a Fundação Cultural de Curitiba (FCC). A avaliação do mérito dos projetos culturais e sua contrapartida social foram algumas das propostas analisadas.
O cineasta Paulo Munhoz, que participou da comissão responsável pela redação do novo texto, afirma que a avaliação do mérito pode ser considerada um consenso. Analisar esse quesito significa, segundo Munhoz, respeitar aspectos como o currículo dos envolvidos, a qualidade da produção já realizada e da própria proposta apresentada. "Um projeto evidentemente comercial acabava tendo uma apreciação igual à dedicada a uma obra envolvendo pesquisa, dedicação e maior interesse", afirma.
Outras distorções decorrentes da lei envolvem extensa captação de recursos sem a devida prestação de contas e um excessivo números de projetos inscritos por um grupo restrito de pessoas, formando longas filas de espera. "Você nota, ao longo do tempo, que as pessoas que fizeram um ou dois projetos durante o ano realizaram obras mais consistentes e tiveram melhor resultado de público e circulação em eventos da área, como mostras e festivais", analisa Munhoz.
O novo texto da lei restringe o número de projetos inscritos por cada empreendedor (um para o Fundo de Cultura e um para o Mecenato). Nas artes cênicas, as propostas passarão a ser feitas exclusivamente por pessoas jurídicas.
João Luiz Fiani, presidente do Sindicato dos Produtores e Empresários de Espetáculos de Diversão do Paraná, considera a medida bem-vinda no que diz respeito à qualidade do gerenciamento dos recursos públicos. "As responsabilidades são maiores quando assumidas por empresas, e as chances dos recursos serem bem geridos são maiores. Mas isso não diz respeito à qualidade artística do espetáculo", afirma.
O único temor de Fiani diz respeito à avaliação de mérito. "A visão do que é cultura vai acabar sendo restrita à opinião de duas ou três pessoas. Vai se perder a abertura democrática da lei atual, que incentiva qualquer projeto cultural. É a cidade que tem de julgar o espetáculo", analisa.
Segundo o novo texto da lei, serão formadas comissões de três integrantes para cada uma das sete esferas artísticas: artes cênicas, música, audiovisual, literatura, artes visuais, patrimônio e folclore (artesanato e demais manifestações populares). O trio de avaliadores será formado por um representante da classe artística (produtor ou realizador da área), um da sociedade civil indicado pela prefeitura (crítico ou professor universitário) e um da FCC. "O risco do mérito é apenas uma visão ficar ganhando. Por isso, a comissão será reformulada periodicamente", explica Paulo Munhoz. Também serão criadas categorias separadas para atender aos projetos de iniciantes e veteranos.
Segundo Paulino Viapiana, presidente da FCC, a reunião da quarta-feira passada serviu para levantar detalhes pontuais sobre a nova redação, sem alterar a sua essência. "Hoje julgamos os projetos apenas nas questões técnicas, na formalidade, e não no seu conteúdo ou abrangência social e cultural. Não sabemos se têm importância para a vida das pessoas, para o futuro desenvolvimento da cultura, não sabemos nada".
Para Viapiana, a nova proposta delimita melhor os objetivos da aplicação da verba pública, eleva a qualidade dos trabalhos apoiados e facilita o processo de captação de recursos. "São projetos aos quais as empresas podem agregar a sua marca sem riscos. Retiramos uma sobrecarga das empresas, que muitas vezes ficam assustadas e não sabem como proceder nesse caso, porque não conhecem o produto", afirma.
Contrapartida
Viapiana menciona, ainda, a contrapartida social. "Todo projeto que receber incentivo terá de oferecer um contrapartida ao poder público. Se alguém fizer uma peça de teatro, a contrapartida dele será exibir essa peça de teatro gratuitamente para a população de baixa renda. Sem dirigismo na concepção, na produção, na liberdade de expressão, nada disso". Para o presidente da FCC, medidas como essa podem ser positivas para a classe artística, na medida em que criem novos públicos habituados a consumir cultura.
O cineasta Paulo Munhoz é mais cético em relação à idéia. "Eu posso fazer uma série de oficinas para crianças da favela e o retorno disso é evidente. Mas entendo que se um outro cineasta fizer um superfilme que traga valores e noção de identidade para essas crianças, também trata-se de uma contrapartida social, por mais que não fale diretamente delas", argumenta.