Opinião
32% dos internautas acham que o cantor Odair José é o principal artista "brega" que virou um ícone cult em 2012. No total, 368 pessoas participaram da enquete promovida pelo site do Caderno G nesta semana
"Amado, você se considera um cantor brega?" "Te devolvo a pergunta: você se considera um repórter brega?" O incômodo do cantor e compositor Amado Batista em falar desse assunto revela um desgosto amargado por outros artistas que, volta e meia, acabam recebendo a tacha de "bregas" sem uma análise mais detida do seu repertório e de seu público. Com 37 anos de carreira, o cantor arrastou mais de 14,5 mil pessoas para o seu show na Festa Nacional do Chope Escuro (München Fest) em Ponta Grossa, no início deste mês. Entre os sete shows principais da festa quase todos de sertanejo universitário ele conseguiu o terceiro maior público do evento.
Três horas antes do início da apresentação, já havia fãs de todas as idades à espera do cantor, espremidos na grade que os separava do palco. Enquanto eles o aguardavam, Amado falava brevemente com a imprensa. Em poucos segundos, o cantor apontou o que acredita ser o segredo do seu sucesso e da renovação constante de seu público: "O amor não tem idade e as pessoas são feitas de amor, ele está na própria identidade da pessoa. É um mito dizer que só ama quem tem experiência de vida".
Onda "cult"
Apesar de suas legiões de fãs, cantores românticos como Amado Batista, Odair José e Reginaldo Rossi, entre outros, costumam ser preteridos pela crítica mesmo vivendo uma onda "cult". O professor de História da Música Brasileira da Faculdade de Artes do Paraná (FAP), André Egg, acredita que esse desinteresse acabou contribuindo para um distanciamento entre o gosto popular (inclusive a chamada música "brega") e a estética mais apreciada pelos críticos especializados, principalmente a tradição do samba das primeiras décadas do século 20 e suas releituras por outros estilos, como a bossa nova. "Um fator que eu acho que pesa muito é o papel que as elites culturais e econômicas têm em definir os padrões de bom gosto. Resta uma posição inferior no panteão aos artistas ligados à sensibilidade popular", explica. Ainda segundo ele, esse fenômeno também torna pouco frequentes as "visitas" do rap, do heavy metal e do sertanejo em trabalhos acadêmicos e nos textos de crítica.
Preconceito
Sobre ser um destes preteridos, Odair José diz reconhecer uma qualidade estética superior ao seu trabalho na obra de compositores como Chico Buarque, mas defende que se reconheça a importância de sua música para o público.
"Não se pode tachar de ruim uma música que é cantada tanto por um menino de 8 anos quanto por um senhor de 80", diz o músico que, recentemente, gravou seu primeiro DVD ao vivo em Curitiba.
Para o cantor goiano, um dos principais êxitos dos Beatles, por exemplo, foi o acolhimento tanto das massas quanto da elite intelectual. "E me lembro de o Caetano Veloso dizer que o sonho dele era vender discos e ser rasgado pelas pessoas na rua, e não ficar recebendo elogios da crítica", diz. "O olhar sobre a música não deveria ter essa preocupação do preconceito. Espero que isso deixe de existir e que tenhamos os corredores livres para gostar ou não das coisas."
Colaborou Rafael Rodrigues Costa.
Nem a MPB "clássica" escapa
Mesmo cantores que se consagraram como referências para a crítica também correm o risco de cair no esquecimento. Mas alguns deles estão lutando para serem cada vez mais conhecidos. Fazendo sucesso há seis décadas, o octogenário Cauby Peixoto tem fãs que o acompanham desde a década de 1950. De "Conceição" a "New York", ele continua agradando a diversos públicos. Não à toa, cerca de 50 mil pessoas entupiram a Avenida Luiz Xavier e um bom pedaço da XV, no Centro de Curitiba, durante a Virada Cultural deste ano, para assistir ao show da dupla Cauby Peixoto e Ângela Maria.
No "gargalo", havia gente de todas as idades. Entre algumas curiosidades, jovens cantando músicas do começo de carreira dos dois cantores junto com o público mais idoso. Quase na mesma linha de Amado Batista, Cauby avalia que "as pessoas que conhecem música boa, que têm musicalidade, sensibilidade e cultura musical não têm idade". E o calor do palco se estende ao camarim, onde Cauby, vez ou outra, recebe fãs quase setenta anos mais jovens que ele. "Sensação maravilhosa! Sinal de que ainda canto bem. Fico muito orgulhoso! Os pais vão passando para os filhos, netos e assim vamos nos eternizando e mostrando a boa música, o cantar bem", arremata, em entrevista por e-mail.
Odair José diz não tentar entender a sua descoberta pelo público jovem. "Talvez a melhor explicação seja a de minha mulher: você é um cara de muita sorte. Não poderia estar acontecendo nada disso depois de tantos anos", brinca. "Mas é como digo na canção: a sorte só ajuda a quem trabalha." (DK e RCC)
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