Integrante do grupo South Brothers “treina” em espaço anexo à Biblioteca Pública: piso liso e área coberta facilitam a dança| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Shopping Itália é point há 24 anos

Perto de uma das entradas do Shopping Itália, região central da cidade, o piso é liso e o lugar é coberto. Bingo. Desde 1986, aquele espaço retangular, na confluência das ruas João Negrão e Marechal Deodoro, recebe grupos de rap e hip-hop. É um point, um ponto de encontro que se modifica todos os sábados, das 19 às 23h30, quando música e dança ganham vez.

"Praticamente todos os grupos vão para lá. Trocamos ideias, fazemos rachas (duelos de dança) e, principalmente, nos divertimos", diz Artur Duquesne, integrante do grupo South Brothers.

Com um rádio ligado em um volume "não muito alto" como estímulo, os grupos treinam seus movimentos. "É o melhor lugar da cidade", comenta Rodrigo Martins.

Segundo Sílvio Luiz, administrador geral do Shopping Italia, a convivência é a mais pacífica possível. "Temos um relacionamento salutar e nunca tivemos problemas. Na verdade, os grupos não têm uma autorização formal para a utilização do espaço justamente porque nunca tivemos desentendimentos", diz o empresário.

O Shopping Itália foi fundado em 1982 e desde 1986 serve de palco improvisado para os b-boys de Curitiba.

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Aos sábados, o Shopping Itália é o ponto de encontro de todos os grupos de hip-hop da cidade: convivência é pacíficae permite que
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"Um, dois, três, quatro. Um, dois, três, quatro." Não há música quando quatro jovens que mais parecem ter corpo de plástico dançam na rampa que dá acesso à Biblioteca Pública do Paraná, na Rua Cândido Lopes, no centro de Curitiba. Enquanto o fotógrafo da Gazeta do Povo se vira para fazer a foto que ilustra esta matéria, os rapazes demonstram parte de sua arte marcando os movimentos com a boca. Os pés e as mãos viram um borrão indefinido, que só mesmo uma lente preparada é capaz de decifrar.

Raphael Fernandes, de 24 anos, Ayron Ferreira, 22, Artur Duquesne, 20, e Rodrigo Martins, 21, fazem parte do South Brothers, um dos cerca de 15 grupos de breaking de Curitiba. Ganhando novos adeptos, formatando campeonatos e pulverizando a "cultura das ruas", como dizem, os jovens fazem parte de um crescente fenômeno que, mais do que outra coisa, requisita seu espaço para acontecer e afugentar preconceitos.

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Também conhecido como b-boying, o breaking é uma dança de rua que faz parte da cultura hip-hop – há outras, como o rocking, o locking e o poping. O passo inicial do estilo foi na Nova York dos anos 1970. Naquele tempo, afro e latino-americanos dançavam nas ruas, ao som de grandes rádios a pilha, para se manisfestarem contra as gangues de rua que assolavam a Big Apple, em particular a região do Bronx, sul da ilha de Manhattan.

Os tempos mudaram. O Bronx daqui é o Capão Raso, local onde surgiu, há cinco anos, o South Brothers. "Queremos resgatar a essência dessa cultura", diz Raphael Fernandes. O breaking faz parte do quarteto sagrado da cultura do hip-hop – também composto pelo grafitti, e pelos DJs e MCs.

Mas por que dançar? Rodar no chão, dar piruetas no ar, testar o próprio corpo em movimentos improváveis? "Pelo mesmo motivo que os ‘tiozões’ jogam seu futebol toda semana", diz Fernandes, na lata. "Por prazer e lazer", resume Duquesne. "Eu me machuco, mas não consigo parar", exemplifica Martins. O som mais ouvido pelos grupos é o funk norte-americano dos anos 1970, o breakbeat, e também algo de soul. Até jazz – com muito groove – tem seu espaço.

Treino

É assim que são chamados os ensaios, que acontecem todos os sábados, das 15h30 às 19 horas. Sempre na rampa de acesso da Biblioteca, fechada neste horário. "Algumas pessoas que passam olham para nós com admiração. Consigo ver o brilho nos olhos delas", diz Ayron Ferreira. Os treinos servem como preparação para os campeonatos, que movimentam vários grupos pelo Brasil.

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Representando o Paraná, o South Brothers ficou em primeiro lugar no Campeonato Footwork South King’s, que aconteceu em Sapiranga (RS), em 2007.

"Infelizmente, há pessoas que só começam na cultura pensando em prêmio e em campeonatos", dizem os jovens, quase em coro. Muitos deles desistem no meio do caminho.

Em alguns campeonatos há o chamado "racha", em que um b-boy duela com outro. Vence o escolhido dos jurados, que avaliam técnica, originalidade e musicalidade. E não pense em "roubar" um movimento de seu concorrente. Pode dar treta.

Espaço e preconceito

Há grupos de breaking em Curitiba desde a década de 1980. Mas nunca houve um espaço ideal para a prática da dança, que pipoca em lugares improvisados. "Antes do MON (Museu Oscar Niemeyer) ser MON, íamos para lá. Mas aí nos chutaram. Depois teve o pátio da UPE (União Paranaense dos Estudantes), mas acabou também. Tentamos nas Ruas da Cidadania. Pulamos de uma para outra e não deu", diz o grupo. O local ideal, informam, seria um espaço central, coberto e de piso liso.

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A cultura suburbana do hip-hop e seus representantes volta e meia é associada a pichações, a vandalismo e a práticas não muito admiráveis. O South Brothers exemplifica o outro lado. Todos os entrevistados são universitários – um deles formado em Educação Física e outro membro de uma comunidade religiosa. Eles também fazem trabalho social, oferecendo aulas de dança a crianças de escolas da periferia.

Então Raphael manda a letra. "Pessoas sem informação pensam que quem está na rua não tem o que fazer. Isso é mentira e preconceito. Nós somos universitários e artistas. Sabemos o que está acontecendo no mundo. Somos politizados e bem esclarecidos".