O médico carioca Maurício Souza Lima trabalhou durante um ano em uma casa de apoio às pessoas contaminadas pelo vírus da aids. Lá, conheceu os adoecidos, seus familiares e suas histórias. Uma delas veio da boca de um paciente desamparado, que contou como, na casa de sua irmã, um gato de estimação arranhou sua perna abrindo uma ferida. A família tinha se esforçado para limpar o sangue não o da perna do contaminado, mas o da pata do gato.
"Essa história é paradoxal, cômica e extremamente tétrica. Mostra o medo que as pessoas ainda têm da doença", afirma Lima. Também escritor e ator, ele sintetizou suas experiências com os enfermos na peça Wonderland, que estréia em Curitiba hoje, às 21 horas, no auditório do Mini-Guaíra.
A história é sobre um doente de aids que mora em uma cidade grande, separado da mulher, sem casa e emprego. Rejeitado pela família, ele busca amparo no trabalho e nas instituições de assistência social. Os problemas são narrados por meio de monólogos que refletem "diálogos mentais" do personagem central, a partir do momento em que o protagonista chega a uma estação de trem, prestes a embarcar numa viagem para uma casa de apoio no interior do Brasil. Ele idealiza o seu destino, mas se envolve em mais problemas na medida em que realiza o percurso.
O espetáculo repete uma formação que Lima já havia experimentado há três anos, na peça Com Amor, Oscar Wilde, quando também foi o autor e intérprete do texto. Seu único temor era o de confundir o autor com o ator durante os ensaios. "Quando trabalhamos com o texto alheio, de Moliére ou Wilde, temos o cuidado máximo com aquelas palavras, o tempo, as vírgulas, porque elas não são minhas e já estão enraizadas de significado. Fiquei com medo de talvez desprezar o meu próprio texto", explica Luiz. Nos ensaios e na apresentação, o escrito original foi "tratado como se não fosse de Maurício" e ficou inalterado.
De acordo com o diretor do espetáculo, Silvio Kaviski, a abordagem escolhida é, predominantemente, realista, sem recursos cênicos extravagantes e apoiada no desempenho de Maurício Lima. "A direção é simples, para não florear essa história com adereços, para não desviar a seriedade do assunto. Quis dar um enfoque realista, para que as pessoas se identificassem com personagens críveis, que pensassem: Essa pessoa poderia ter sido eu", afirma. Há apenas um momento, de três minutos de duração, em que a peça abandona o realismo para assumir uma "linha metafórica", segundo o diretor.
A construção narrativa é não-linear, ou seja, conta a história sem obedecer a uma cronologia dos acontecimentos. Episódios da vida do personagem central, seus pensamentos e memórias são intercalados até formar um painel completo de sua vida. "O espectador vai criando na cabeça dele essa história, criando expectativa e dúvida sobre a doença. Quando o espectador pensar que já acabou a peça, vai tomar um balde de água gelada", anuncia Kavinski.
Wonderland é a primeira peça da companhia teatral Cena A 3, sediada no Rio de Janeiro e resultante da pareceria entre Kavinski, Maurício Souza Lima e Ivone Hoffman, veterana do teatro paranaense que já trabalhou com a dupla em Com Amor, Oscar Wilde.
Serviço: Wonderland. Auditório Glauco Flores de Sá Brito Mini-Guaíra (R. Amintas de Barros, s/n.º Centro), (41) 3322-2628. Hoje, às 21 horas. Ingressos a R$ 15 (inteira) e R$ 7 (bônus, estudantes, idosos, classe artística e assinantes Gazeta do Povo).
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