Intenso, denso e ainda assim, popular
Apesar de menos comentada, a Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo, encerrada ontem, não deve em nada à Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Enquanto nesta última turistas ocasionais confundem-se com leitores interessados nas palestras, o evento gaúcho reúne multidões no câmpus da Universidade de Passo Fundo (UPF), distante seis quilômetros do centro da cidade. A inscrição também pode espantar os incautos: R$ 160 pelos cinco dias de programação. A maioria dos participantes, porém, tem a entrada facilitada graças aos inúmeros convênios entre a UPF e escolas da região. De maneira que a jornada é, essencialmente, um evento jovem: crianças em excursão escolar lotam os estandes de literatura infantil durante o dia, e universitários tomam conta durante a noite.
Os debates, no entanto, seriam voltados a um público mais maduro. Temas densos e longas discussões acadêmicas ambientadas nas imensas tendas frequentemente faziam com que o público se dispersasse e se engajasse em conversas paralelas. Mesmo assim, a discussão por vezes chegou a ficar acalorada. Sobre o tema do evento, as mídias digitais, ao menos há um consenso: escritores e pesquisadores concordam que a tecnologia veio para ficar e as alterações na linguagem, para o bem e para o mal, fazem parte do processo de evolução da comunicação. Nenhum preconceito com blogs e poesia digital.
O que parecia realmente capturar a atenção da multidão eram os espetáculos musicais. O show do conferencista Cid Campos, filho do poeta Augusto de Campos, arrancou aplausos e gritos empolgados do público na noite de terça-feira, dia 23. Porém, foi o grupo Pouca Vogal, formado Humberto Gessinger, do Engenheiros do Hawaii, junto com Duca Leindecker, da banda Cidadão Quem, que paralisou o evento em duas noites seguidas. Gessinger, que compôs junto com Paulo Becker a canção da Jornada Literária, intitulada "Sagração da Palavra", é venerado como um rei em Passo Fundo, e ganhou mais atenção do público que o cartunista Maurício de Sousa, também bastante requisitado.
Não é de hoje que a música tem mais fãs do que os livros, mas a estrutura da Jornada Literária, com algo perto de 120 autores convidados, e uma rotina das 8h30 às 22 horas, com alguns pequenos atrasos, é hoje uma das melhores e mais intensas atrações nacionais para os interessados em literatura. (YA)
Um dos destaques da programação paralela da Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo deste ano, encerrada ontem, foi o grande número de mesas voltada à literatura infantojuvenil, com foco maior nas obras para crianças. Os livros infantis são muito produzidos, muito consumidos, mas pouco discutidos, concluíram alguns conferencistas, entre escritores e ilustradores. O inglês Peter Hunt e o venezuelano Fanuel Hanan Diaz, críticos do segmento, falaram sobre esse mesmo assunto, mas em mesas diferentes e com focos diversos. Enquanto o primeiro falou sobre os temas polêmicos nos livros para crianças, o segundo abordou o uso de imagens no processo de leitura.
Para Peter Hunt, tanto a linguagem quanto o conteúdo dos livros infantis mudaram drasticamente nos últimos anos: "Hoje a literatura infantil é mais influenciada pela multimídia e tem um conteúdo mais explícito, com mais dualidade moral". Isso acontece, em parte, porque a partir dos anos 70 e 80, as crianças deixaram de ser protegidas do mundo adulto. "Muda-se a infância, muda-se a literatura junto."
O maior problema no modo como a literatura vem sendo feita, para o crítico, é um controle excessivo do universo infantil por parte dos autores: "os autores, adultos, temem danificar de algum modo a infância da criança, e passam a fazer livros que não oferecem nada de novo." Ele cita como exemplo, as obras infantis que tratam do futuro. "São distopias. Criam um mundo futurista assustador no qual a criança precisará viver quando crescer!", exclama. Sendo assim, adverte: "Um bom livro infantil é aquele que estabelece um espaço respeitoso de diálogo entre o mundo adulto e o infantil".
Elementos narrativos
As influências dos livros europeus e americanos na produção brasileira e latinoamericana, para o teórico Fanuel Diaz, é notória. "A literatura latinoamericana é realista e trata principalmente de problemas urbanos. A figura do garoto de rua, por exemplo, é frequente, e análoga a figura do órfão europeu. Quando o livro salta para uma dimensão mais fantástica, acontece uma tropicalização dos temas de contos de fadas", explica. Sobre isso, Peter Hunt comenta: "A literatura infantil tem como um dos objetivos dar poder às crianças. E o único poder que uma criança realmente pode ter sobre alguém maior é o poder de pregar peças e enganar, da inteligência".
Há também, segundo Diaz, uma influência no estilo de livro. O livro-álbum europeu, em que ilustração e texto se complementam, como Onde Vivem os Monstros, de Maurice Sendak, se tornou popular por propor uma nova forma de abordar a leitura. Hunt vê as novas ilustrações, menos realistas, como positivas por reforçar sua ideia de não tratar a infância do ponto de vista adulto: "Os livros antigos diziam à criança como elas deveriam escrever e desenhar. Hoje, a linguagem e as imagens estão mais próximas do universo infantil".
Peter Hunt afirma que a transformação na literatura ainda não aconteceu completamente: "Estamos no meio de uma revolução nos livros para crianças, que começou há cerca de dez anos e vai durar mais uma década pelo menos. É uma época muito excitante para o gênero."
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