Uma máxima das escolas de cinema diz que os irmãos Lumière só inventaram a sétima arte em 1895 porque decidiram chamar um grupo de pessoas para ver o experimento no Grand Café de Paris. Antes disso, o sistema de projeção de imagens em movimento já havia sido inventado e patenteado por Thomas Edison.
A situação ecoa em um problema recorrente dentro das produções cinematográficas do Paraná. Muitas obras realizadas no estado com dinheiro público nunca chegam a ficar disponíveis a uma grande parcela dos contribuintes. Feitas por meio de leis de incentivo fiscal, essas produções acabam engavetadas em formatos digitais e em película. Isso falando apenas dos longas-metragens, pois a situação costuma ser ainda pior para os curtas, formato com menos apelo para os espectadores.
Um dos exemplos mais recentes desse dilema é o documentário A Polaca, dirigido por Fernando Severo. O filme, que narra a trajetória da mulher retratada no quadro homônimo de Guido Viaro, foi feito com verba da Lei de Incentivo à Cultura da Fundação Cultural de Curitiba. Depois de ser exibida por algumas semanas no ano passado, a produção foi engavetada na Cinemateca de Curitiba, que pode exibi-la por meio de uma solicitação. Além disso, outras cem cópias em DVD foram distribuídas em Faróis do Saber da cidade.
"É uma pena que nossas produções fiquem tão restritas em termos de público. Mas não temos um mercado distribuidor consolidado, isso é bem ruim para os realizadores", reclama Severo. Outro longa-metragem assinado pelo diretor em parceria com o cineasta Marcos Jorge, Corpos Celestes (2011), enfrenta um problema semelhante. Embora tenha sido exibido em várias salas comerciais do país, nunca chegou a ser lançado em DVD. A diferença é que a produção pode ser encontrada em reprises na televisão por assinatura e para downloads ilegais.
Mídia
Para enfrentar a frustração, alguns realizadores conseguem distribuir as obras em cópias físicas de maneira independente. É o caso de Curitiba Zero Grau (2010), de Eloi Pires Ferreira, realizado por meio do Prêmio Paraná de Cinema e Vídeo, e que chega em setembro às lojas. "Todo mundo que faz um filme anseia para que ele seja visto. Mas como enfrentamos a vontade das distribuidoras, precisamos buscar meios alternativos", revela Salete Machado, produtora do longa-metragem e ex-presidente da Associação de Cinema e Vídeo do Paraná.
Outro impasse recorrente apontado pelos cineastas é uma queda nas vendas de mídias físicas, em especial as de DVD o Blu-ray ainda depende de licenças internacionais para ser comercializado, o que torna seu custo caro demais para o mercado nacional. Alguns filmes locais acabam sendo lançados em DVD, mas têm suas edições esgotadas e os espectadores dependem da sorte para encontrá-los. É o caso de Cantoras do Rádio (2008), de Laura Dalcanale, e Estômago (2007), de Marcos Jorge.
Uma saída para os realizadores são os serviços de streaming, como o Netflix. Ainda inédito em DVD, esse tem sido o caminho do longa-metragem Circular (2010), que além de ser exibido em parcerias com canais fechados, também está disponível no Now, serviço de vídeo sob demanda da Net. A distribuidora Moro Filmes também tem conseguido boa repercussão com a televisão paga ao exibir Morgue Story: Sangue, Baiacu e Quadrinhos (2009) e Nervo Craniano Zero (2012), do diretor Paulo Biscaia Filho; e com os dois títulos da série Brichos, de Paulo Munhoz. "O mais interessante é que quando o público vê o filme na televisão, isso impulsiona um pouco as vendas de DVDs", revela Diana Moro, responsável pela empresa.
Público
Além de não ser anual, como proposto originalmente, o Prêmio Paraná de Cinema e Vídeo dá R$ 1 milhão para os realizadores de longas-metragens, mas não auxilia na distribuição das obras, que ficam longe do público:
Corpos Celestes (2011)
Vencedor da premiação em 2004, o filme dirigido por Fernando Severo e Marcos Jorge teve uma carreira em vários cinemas brasileiros, além de ser apontado como um dos melhores títulos nacionais do período. Hoje, quem quer assisti-lo precisa dar sorte de encontrá-lo em reprises na televisão a cabo ou recorrer ao download ilegal.
Mistéryos (2008)
Baseado na obra de Valêncio Xavier, o longa-metragem dirigido por Beto Carminatti e Pedro Merege Filho também está disponível para download ilegal. Vencedor da premiação em 2005, a obra circulou por festivais Brasil afora, mas hoje é preciso esperar por mostras especiais ou solicitar uma exibição fechada na Cinemateca de Curitiba para conferi-lo.
Curitiba Zero Grau (2012)
O filme conquistou o primeiro lugar na premiação em 2008, mas foi lançado nos cinemas apenas quatro anos depois. Dirigido por Eloi Pires Ferreira, a obra tem sido exibida na televisão fechada, mas o lançamento em DVD será feito de maneira independente pela equipe de produção em setembro deste ano.
O Homem Que Matou a Minha Amada Morta (2015)
Dirigida por Aly Muritiba, a produção vencedora em 2012 ainda está em fase de finalização. Para receber o valor integral da premiação, a produtora Grafo, responsável pela realização, precisou fazer um protesto na frente da Secretaria do Estado da Fazenda do Paraná no início deste ano. O filme chega aos cinemas em 2015.
Filmografia paranaense nunca foi catalogada
Embora tenha uma produção expressiva desde o início do século 20, com pioneiros como João Groff (1897-1970) e Annibal Requião (1875-1929), a lista completa de filmes produzidos no estado nunca foi devidamente catalogada. Nem ao menos pela Cinemateca de Curitiba, cuja função maior é preservar o acervo local.
Das cerca de 2,5 mil entradas de obras cinematográficas registradas no espaço até hoje, apenas algumas dezenas são apontadas como paranaenses no sistema de buscas do local, que não especifica quais são financiadas com dinheiro público. Os títulos feitos por meio de editais da Fundação Cultural de Curitiba (FCC), no entanto, estão registrados no espaço. "Mas isso não dá conta de tudo que foi feito por aqui", diz o produtor de cinema Antônio Martendal.
Por meio da Associação de Cinema e Vídeo do Paraná, o profissional firmou uma parceria para desbravar o histórico da produção local com a FCC. Para a tarefa, um software nos moldes do que existe na Cinemateca Brasileira foi desenvolvido. A iniciativa busca resolver o problema da falta de acesso dos paranaenses à filmografia do estado. Por falta de informações, o público que se interessa por conferir o cinema regional acaba ficando restrito às produções disponíveis.
Junto com o levantamento, que pode incluir várias produções perdidas, Martendal também planeja realizar ciclos de exibição em salas públicas e mostras itinerantes de formação de plateia. Em outro projeto nesse sentido, a FCC lançou na semana passada um canal no YouTube com os curtas-metragens feitos dentro dos cursos de produção de cinema na Cinemateca de Curitiba.
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