São Paulo (Folhapress) – Manga com leite, está provado, não faz mal. E Fanta com Frontal? Bem, a mistura alaranjada, efervescente e ansiolítica pôde render pelo menos um divertido conto, um dos sete reunidos na coletânea Tarja Preta (Objetiva, 176 págs., R$ 33,90), recém-lançada pela Objetiva, que desafiou seus autores a buscarem inspiração literária no universo dos fármacos.

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"Tudo o que altera a consciência e ajuda o artista a ver a realidade de modo diferente é uma boa inspiração literária. Seja natural, como amor e medo; ou artificial, como remédios", indica o cineasta Jorge Furtado, autor de "Fanta com Frontal", história de um jovem que tenta burlar sua inadequação ao mundo com a mistura.

Diretora editorial da Objetiva, Isa Pessôa escreveu "A Noite", sobre uma colunista de jornal às voltas com receitas azuis e lapsos de memória. Também autora do convite feito aos outros escritores, Isa ressalta que o objetivo do livro era fazer um retrato da "nação tarja" e perceber a forma de encarar humores e paixões, que varia de acordo com a época. "(Charles) Baudelaire sempre preferiu o vinho ao ópio, já que a bebida seria mais democrática e tornaria os homens mais interessados em conversar, em estar juntos, do que o ópio, que alienaria seu usuário da companhia dos outros", lembra.

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"Nesse sentido, diria que todo remédio que relaxa, tarja ou não, e que é capaz de te seqüestrar da espiral dos pensamentos, do abismo em que às vezes nos afogamos, pode ser bem-vindo e extremamente sociável, favorecendo o exercício literário", prescreve.

Para Márcia Denser, autora de "O Quinto Elemento", houve, há e sempre haverá uma relação importante entre ela, anfetaminas e sua personagem, Diana Marini. Mas ela relativiza: o conto é ficção, que pega carona na idéia de que todo artista precisa de uma fagulha para ligar o motor da criação. No caso, os comprimidinhos.

"E o grande barato foi precisamente descobrir esta relação entre escritora, anfetaminas e personagem. Sobretudo pela linguagem. Tive que segurar um "speed vertiginoso ao longo de 30 páginas, numa linguagem que chamamos de ‘hipermediada’, onde cada efeito, frase, sentença é calculado. A aceleração simula o efeito da anfetamina e para mim, naturalmente, ela é o mais literário dos remédios."

O apresentador Pedro Bial assina "Dondon Experiência", história de um garoto cujo time de futebol de botão tinha jogadores que atendiam por nomes como Colubiasol e Lactopurga. E cujo maior craque foi o Optalidon, o tal Dondon do título, analgésico das antigas, muitas vezes usado, digamos, em consumo festivo.

Bial cita alguns clássicos da literatura que merecem o rótulo de tarja preta, de Romeu e Julieta ao beat William Burroughs, passando ainda por Dr. Jekyll e Mr. Hyde. E defende: a aspirina é o mais literário dos remédios. "Graças ao João Cabral de Melo Neto", diz Bial, referindo-se ao poema "Monumento à Aspirina", em que o escritor pernambucano, vítima de enxaquecas por quase meio século, faz uma ode ao "mais prático dos sóis, o sol de um comprimido de aspirina: de emprego fácil, portátil e barato, compacto de sol na lápide sucinta".

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