Momentos antes de começar o bate-papo, enquanto Patrícia Palumbo ouvia qual seria o enfoque da entrevista, que seria realizada por telefone, de São Paulo, ela disse: "Vamos relaxar com essa questão da sigla MPB". Este pode ser um breve resumo de como foi a conversa. Um relaxamento total em relação às amarras genéricas impostas pela indústria cultural e pelo senso comum, e uma celebração da liberdade criativa.
Patrícia conta com quase três décadas de trabalho dedicado à música brasileira. Apresentadora do programa Vozes do Brasil, transmitido pela radio Eldorado em São Paulo e retransmitido por uma série de afiliadas espalhadas pelo Brasil (em Curitiba, ele faz parte da grade da Lumen FM), a pesquisadora já lançou livros, estudos e registros sobre o desenvolvimento da produção musical nacional. Sem rótulos ou demarcações, só o respeito estético e a curiosidade frente a novas possibilidades sonoras.
Você acredita que a MPB, da forma como surgiu nos anos 70, ainda existe?
A música brasileira é uma mistura por excelência. O salão com o batuque das ruas, ritmos europeus com os africanos Naquele momento em que ela surgiu, era necessária. Apareceu como uma atração de programa de televisão e, mais tarde, ficou conhecida por meio dos festivais. Preencheu o espaço entre a bossa nova e o tropicalismo A música passava por um determinado período que podemos chamar de MPB e até teve a questão de dividir o público durante os anos 80; você era do rock ou da MPB. Isso foi curioso, na década de 80 foi retomado o trabalho de nomes da MPB que fizeram um trabalho pop interessantíssimo, enquanto o rock era mais comportado. Quando eu comecei a trabalhar, via na figura do Cazuza a ponte entre esses dois lados. Ele foi o primeiro a mostrar que era possível fazer poesia com a cara de Dolores Duran, injetar a atitude do rock e o jeito de tocar dos anos 80. Hoje, é absolutamente fora de senso discutir isso. Ela ganhou outra cara e, quando alguém diz "esse cara faz MPB", é quase como se falassem que faz música antiga. Alguém que não se renovou.
E o que você acha da definição "nova MPB"?
Quem disse isso? Esta mais para música popular brasileira contemporânea. Pop com diversas faces, formado por uma turma que bebeu na fonte tropicalista. Los Hermanos é diferente de Thiago Pethit e Karina Buhr, mas todos eles fazem uma música livre de fronteiras, gênero, estilo, época ou geografia. A diversidade finalmente aconteceu com esse resgate do conceito tropicalista, e não caracteriza um movimento. É o fato de fazer o que der na telha. Música é criação, não pode cair em nenhuma fórmula. Seria um tédio, não é? (risos)
A liberdade estética seria a principal diferença entre essas gerações?
Estamos vivendo um momento de grande fertilidade. É uma fase brilhante da música brasileira, ou a música popular brasileira contemporânea. Artistas de outras gerações enxergaram essa possibilidade e acompanham as mudanças, enquanto outros se acomodaram. A liberdade se dá porque o processo está todo na mão do artista. Ele compõe, grava, distribui, divulga e não conta mais com um diretor de alguma gravadora grudado na nuca dele, mandando seguir os rumos do mercado.
Sobre essa questão tecnológica, o fato das iniciativas musicais acontecerem de forma fragmentada não te incomoda?
Imagina. Hoje descobrimos música pop de qualidade sendo feita no Rio, São Paulo, Curitiba, Pará... É um sinal de que, de fato, a internet está funcionando. E os artistas estão sabendo utilizá-la. Deixou de ser um discurso para se tornar uma realidade e diminuir todas essas distâncias.
Você acha que o grande público ainda se importa com discursos e questionamentos sociais levantados com a música? Ou isso continua sendo uma característica da geração que atuou entre as décadas de 60 e 80?
Naquela época, era necessário. Vivíamos uma ditadura... Mas hoje em dia é diferente. Talvez a gente veja uma mudança incipiente. Em São Paulo, temos as manifestações espontâneas em prol da diversidade, não importa qual. Queremos ganhar o mundo com nossos direitos. Isso também se aplica à música, não queremos só a MPB.
E, falando em grande público, e A Banda Mais Bonita da Cidade? O que você achou?
Uma delícia. Eu conheço pouco o trabalho deles, mas fazem parte desta cena, não é? Mesmo conceito de liberdade criativa e um sistema de parcerias bem interessante. Desde o diretor do clipe até o pessoal que participou das filmagens. Reclamam por ai que parece com Beirut, mas eu acho bem melhor! Quanto mais a gente repercutir essas iniciativas, melhora o serviço que prestamos para a cultura e aumenta o consumo do grande público. Dar "biscoitos finos para a massa", como diziam os modernistas de 1922.