No novo trabalho, Otto vai de Odair José a Pink Floyd| Foto: Divulgação

Opinião

Mais simples na prática do que na teoria

Depois da tormenta que originou Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos (2009), seu melhor disco, Otto já se permite viver momentos felizes. Apesar da colcha de retalhos que define suas principais referências, o novo álbum do pernambucano caminha sob a luz do pop.

A ótima "Dia Claro" a primeira faixa, é emblemática nesse sentido. Um arranjo quase angelical inicia os trabalhos. Mas o Otto de sempre está presente e declama algumas frases soltas no meio da música.

Em "Ela Falava" (Otto, Pupilo e Rogério Coelho), há ecos do tecnopop oitentista (teclados de Donatinho e Lincoln Olivetti) além da participação de Tainá Muller.

A releitura irreverente de "A Noite Mais Linda do Mundo", hit de Odair José, denota a leveza com que Otto se enxerga nesse momento: o arranjo é brega e não há porque esconder isso.

"Exu Parade" é uma das debochadas – a outra é a sacaninha "DP". Na música, Otto canta "pensa que é de menta, chupa que é de uva". Às vezes, nem tudo precisa fazer sentido.

"The Moon 1111", uma das melhores do álbum, é um afrobeat progressivo de letra cotidiana – a influência de Fela Kuti se torna realmente perceptível.

Na dançante "Miss Apple e Zé Pilantra" o destaque são as guitarras espertas – ter Catatau faz diferença.

Em dois anos, Otto, na teoria, foi de Gregor Samsa a Guy Montag. Na prática, superou um amor não correspondido e aprendeu com Odair José que "felicidade não existe. O que existe na vida são momentos felizes."

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Serviço:Lançamento.The Moon 1111 Otto. Natura Musical. R$ 29,90. MPB
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É difícil conversar com Otto. "Ele perdeu o celular", avisa a assessoria do músico. Quando finalmente a entrevista desencanta, há um turbilhão desenfreado de ideias que exigem atenção dobrada de quem ouve, mas que fazem sentido, principalmente se pararmos para ouvir seu mais novo disco, The Moon 1111. "É essa coisa da lua, do espaço, dos smurfs. É o [guitarrista] Catatau que pega o Fela Kuti e traz pra cá. Mas é um desencontro ao mesmo tempo."

Em 2009, o ex-percussionista da formação original da Nação Zumbi saiu de uma espécie de ostracismo involuntário com o sensacional disco Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos. O álbum-resposta surgiu depois de um pé na bunda que o pernambucano tomou da atriz Alessandra Negrini. Mas, se no disco anterior sobra melancolia e entrega, em The Moon 1111, seu sexto álbum, há mais sol e suingue.

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"Acho que o barato desse disco foi a evolução. O outro álbum demorou cinco anos pra surgir, esse demorou dois. O outro foi mais doloroso por causa do tempo de espera e pelo momento de depressão da música brasileira."

Segundo Otto, The Moon 1111 – projeto da Natura Musical – teve influência do personagem Guy Montag, do filme Farenheit 451 (1966), de François Truffaut, por sua vez inspirado no livro homônimo de Ray Bradbury. O trabalho de Guy é queimar livros em bibliotecas. "A metáfora para isso hoje é a televisão, as imagens, a internet como rede de informação. A metáfora é o futuro que vivemos. Existe a tragédia ali na frente e a gente fica aqui, sem enxergar nada", conta, feito metralhadora.

Já as influências musicais vão na cola de The Dark Side of The Moon, disco mais conhecido do Pink Floyd. Toda a psicodelia do álbum está na guitarra de Fernando Catatau. Otto também cita o nigeriano Fela Kuti – precursor do afrobeat – como referência. "É uma banda catatau-pink-floydiana com Fela Kuti", resume.

Brega

O novo disco tem 10 faixas e foi produzido por Pupilo – baterista da Nação Zumbi. Entre as músicas, há uma releitura de "A Noite Mais Linda do Mundo (Felicidade)", música conhecida na voz de Odair José. É o brega que entra no caldeirão de Otto.

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"A letra é uma conversa jovial e contemporânea sobre os amores de hoje em dia. Há tanto brega na música brasileira que a gente nem percebe às vezes. Já tinha no Mutantes [a primeira faixa, "Dia Claro", é em homenagem ao grupo], tem no Vanguart e em Tim Maia. Odair é o mestre ", justifica. "E Pink Floyd é o mais brega de todos, você já viu aquelas letras?"

No disco, ainda há pitadas do eletropop dos anos 80, já que ele mesmo diz que recentemente redescobriu bandas como The Smiths e A-ha. Então, não é errado dizer que com o novo disco – talvez com o anterior até – Otto tenha se tornado mais pop.

"Acho que tenho carisma suficiente para isso. É só você ver os refrões das minhas músicas, a forma como eu canto. Mas é um pop cool. É difícil chegar a isso e eu sei que eu tenho o meu preço", discorre o músico, feliz com seu momento. "Me sinto usado pelo meu país. Me sinto mais relevante. E isso me faz uma pessoa melhor".