"Dormi no Sambódromo e acordei no Vaticano", resume Ilze Scamparini. Era o dia 11 de fevereiro, e a correspondente da TV Globo em Roma estava de férias, aproveitando o carnaval do Rio de Janeiro, quando chegou a notícia que chamou a atenção até do folião mais pagão.
"Fui rever o carnaval, acompanhei todas as escolas do domingo. Duas ou três horas depois, o telefone tocou. Fiquei paralisada. Teoricamente, a renúncia dele era possível, Bento XVI já tinha falado disso, mas ninguém acreditava. Seria um gesto de muita ruptura. Mas no fim das contas pareceu tão natural", analisa a jornalista, dias antes da escolha do novo Papa, o argentino Jorge Mario Bergoglio.
Surpresa
De tão associada à cobertura do Vaticano, a ausência da repórter foi sentida no dia em que Bento XVI comunicou que renunciaria. Nas redes sociais, telespectadores demonstraram surpresa. Mas, nas últimas semanas, habemus Ilze diariamente na tevê. Católica, ela ressalta a importância do tema não só para os religiosos.
"O conclave é algo extraordinário não só para os católicos. O papa é também um chefe de Estado. Em guerras, a diplomacia vaticana pode ter muito valor. No início dos anos 1960, na crise dos mísseis soviéticos instalados em Cuba e voltados para os Estados Unidos, talvez o pior momento da Guerra Fria, o papa João XXIII correu para a rádio vaticana e, em francês, suplicou a Nikita Kruschev [líder russo] e [para o presidente americano John] Kennedy que não ficassem insensíveis a este grito da Humanidade. Pediu que a paz fosse salva, implorou pelo diálogo. Poucos jovens sabem que ele ajudou a evitar a guerra nuclear."
Passos
Nestes 14 anos de trabalho na Itália, Ilze acompanhou os passos de dois papas. E destaca seus estilos bem diferentes.
"Conheci o João Paulo II já velho, por isso, muito doce e terno. Dizem que quando era mais novo era bem enérgico. Acompanhei algumas viagens dele. Um papa que emocionava com pequenos gestos. Tinha senso de humor, fazia brincadeiras na praça, às vezes falava até em dialeto romano. De uma humanidade infinita. Ratzinger é a amabilidade em pessoa, mas racional, coerente. Acabou conquistando o mundo com um único grande gesto, o último do seu pontificado."
Mas a vida da correspondente não se resume a Vaticano ou mesmo a trabalho. Como os romanos, ela sabe apreciar a cidade e o dolce far niente.
"Faço muita coisa a pé, vou olhando os prédios, as estátuas, as ruínas, cada detalhe medieval, barroco ou renascentista. Adoro também descobrir lojas de armarinho. Como muito em casa e gosto das frutas e das verduras mediterrâneas. Roma é cheia de sol, as primaveras são lindas. Mas o verão daqui é mais quente que o de Bangu [bairro carioca]", descreve ela.
Ilze vive com o roteirista Domenico Saverni Mezzatesta. Descendente de italianos, não tem contato com os parentes que estão por lá.
Terra natal
Sem dizer se tem vontade de voltar à terra natal, a repórter acredita que a imagem do Brasil melhorou na mesma medida da evolução do país. Já a crise na europeia preocupa.
"A violência aumentou, a agressividade, a falta de esperança. Quem vem de fora talvez não perceba tanto, mas a vida aqui decaiu bastante. Como os brasileiros, os italianos também são criativos e capazes de inventar saídas para a crise."
Aos 52 anos, Ilze já viu muita coisa como repórter tanto no Brasil como em outros países. E enumera alguns dos momentos marcantes da carreira.
"Cito a viagem que fiz com Chico Mendes pelo Acre a bordo de um pequeno avião para conhecer a vida dos seringueiros. Aquilo, sim, foi descobrir o mundo. Testemunhar um homem, completamente sozinho, que acordava às quatro da manhã e corria quilômetros a pé, no meio da floresta, com o risco da picada fatal da cobra surucucu pico de jaca e das onças, sangrava a seringueira, punha uma latinha no caule, depois corria para outra seringueira, para mais tarde voltar e recolher o látex. Com o Globo Repórter, passei mais de dez anos gravando longas reportagens. Depois veio o período americano: Costa Oeste, fronteira México-Estados Unidos, desertos. Recentemente uma situação me impressionou muito: a Ilha de Lampedusa, entre a Itália e a Líbia, com aqueles milhares de imigrantes do norte da África, chegando naqueles barcos superlotados."
Jeito de falar
Sobre seu jeito peculiar de falar, uma marca registrada que faz o público reconhecê-la mesmo sem olhar para a tevê, Ilze não pensa muito: "A impressão que tenho é a de que sempre falei assim. Mas pode ser uma falsa impressão", diz ela.
Um papa brasileiro talvez mudasse a forma de trabalho da correspondente. Mas como a vez foi de um argentino a vida deve seguir como está.
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