Foi preciso atravessar um oceano inteiro, botar os pés na África e soltar os leões para “Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa” vir ao mundo como um disco indispensável para quem quer entender o que acontece no Brasil. Em seu segundo álbum de estúdio, Emicida dialoga com o mundo ao tratar das desigualdades, dos preconceitos e das coisas mais solares da vida em primeira pessoa. Leandro Roque de Oliveira é mais um que escapou das incertezas da periferia pelas vias da música.
Se desde “O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui” (2013), o trabalho do paulistano se mostra cada vez mais acessível em termos de sonoridade, em seu novo álbum são as referências trazidas de Cabo Verde e Angola que marcam a obra. Mais articulado climaticamente, o disco é feito de músicas para dormir e acordar, concedendo espaços para melodias sem abrir mão da agressividade que caracteriza sua obra desde a estreia, com a mixtape “Pra Quem Já Mordeu Um Cachorro Por Comida, Até Que Eu Cheguei Longe… “ (2009).
Depois de homenagear o falecido pai, Miguel, em seu primeiro álbum na música (“Crisântemo”), Emicida abre o álbum com a autobiográfica “Mãe”. Dona Jacira é a inspiração para a faixa mais melancólica do disco, que trata da dureza da vida de doméstica com gratidão, revolta e sonho: “um tempo onde as mina não tenham que ser tão forte”. Homem da casa aos seis anos, Leandro testemunhou desde cedo o “peso do mundo nas costas de uma mulher”, de Dona Jacira, que encerra a música com uma palhinha cheia de amor ao “menino danado”.
O samba dá conselhos em “Casa”, que dá vez a uma série de músicas contundentes sobre racismo, como “Chapa”, “Trabalhadores do Brasil”, “Mandume” e “Boa Esperança” – esta ganhou um dos clipes mais corajosos do ano ao denunciar a exploração do serviço doméstico no Brasil. Nelas, Emicida desconstrói o mito da democracia racial e manda um recado para a perversa cordialidade do brasileiro: “ninguém aqui é escravo de ninguém!”
Mais manso em “Amoras” e nas parcerias com Vanessa da Mata em “Passarinhos” e Caetano Veloso em “Baiana”, o rapper diminui o grave e deixa a MPB invadir as linhas com temas de novela. Apesar das sutilezas, o vigor reaparece no verso que lembra o antropoceno: “água em escassez / bem na nossa vez”.
Em “Mufete”, “Sodade” e “Madagascar”, as referências da África lusófona ganham terreno. A primeira revela detalhes do encontro do rapper com o continente, fala sobre história, pele preta e religião: “respeito sua fé, sua cruz / mas temos duzentos e cinquenta e seis odus”. Para encerrar o disco, Emicida convoca o samba e o funk em “Salve Black”, que enaltece a força e a cultura dos negros e das negras. E lembra: “tem que ter suingue pra tocar panela.”
A verdade é que “Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa” é sobre muito mais. Não há ficção nas rimas. A dor e a indignação são reais. Emicida permanece visceral e sua denúncia legítima, precisamente como deve ser o rap: cheio de lições.
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