Dois dos mais importantes símbolos da música brasileira - o samba e a bossa nova - foram registrados como marcas em outros países. Embora a prefeitura do Rio de Janeiro tenha publicado recentemente decreto instituindo a bossa nova como Patrimônio Cultural Carioca e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) tenha declarado o samba carioca como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, um levantamento feito pelo escritório Montaury Pimenta mostra que empresas estrangeiras vêm se aproveitando da fama verde-amarela.
O trabalho mostra que companhias dos Estados Unidos e da Austrália ganharam o direito de explorar os nomes samba e bossa nova como marcas. Em julho de 2003, a Markanna Studios, da Califórnia, registrou a bossa nova como marca de discos e fitas. Já na Austrália, a DMG Radio Australia registrou a bossa nova, em dezembro de 2006, como marca para a prestação de serviços artísticos.
O levantamento da Montaury também mostra que existem outros pedidos de registros desses nomes como marcas. No Chile, uma empresa quer utilizar a marca samba. O mesmo acontece para companhias na Espanha e no Japão.
Segundo o advogado Luiz Edgard Montaury, o registro desses nomes pode prejudicar a entrada de produtos brasileiros nesses países. Ele lembrou que as empresas detentoras das marcas no exterior podem, por exemplo, impor dificuldades à entrada de um disco de algum artista brasileiro que traga no título as palavras samba ou bossa nova.
Ele destacou que, apesar de ser fácil conseguir convencer a Justiça de um país a dar autorização para o comércio de algum produto brasileiro que utilize essas palavras, pois são expressões da cultura nacional, sempre existe o risco de uma disputa judicial:
- O artista brasileiro pode, por exemplo, argumentar que isso é um nome cultural e ganhar a briga. Mas vai enfrentar uma disputa judicial e terá custos elevados - afirma.
Essa também é a avaliação do presidente do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), Jorge Ávila:
- Acho esses registros um absurdo. Isso gera um risco muito grande para qualquer gravadora brasileira.
Ávila lembrou que outros nomes brasileiros já foram alvo de empresas estrangeiras. No Japão, por exemplo, o açaí foi registrado como marca. Por isso, o próprio INPI já elaborou uma lista com centenas de produtos da biodiversidade brasileira, como o próprio açaí e o cupuaçu, que foi enviada aos INPIs de diversos países para evitar o registro equivocado de nomes.
- Podemos acabar fazendo o mesmo com expressões culturais brasileiras que não queremos ver registradas em outros países - afirmou Ávila, ressaltando que o INPI também poderá ajudar as empresas brasileiras a pesquisar quais nomes nacionais estão registrados em outros países.
Montaury lembrou que o registro das marcas com nomes brasileiros ocorre por falta de conhecimento das autoridades de outros países. E ressaltou que o mesmo também pode ocorrer no Brasil:
- O INPI pode acabar registrando o nome de alguma marca de vodca famosa de algum país, por exemplo, por falta de conhecimento.
O presidente do INPI também ressaltou que o registro de estilos de música brasileira como marca pode prejudicar a exportação do que há "de mais valioso na tradição cultural brasileira".
No decreto publicado pela prefeitura do Rio justificando a instituição da bossa nova como Patrimônio Cultural Carioca, o prefeito César Maia afirma que o estilo "é um dos gêneros musicais brasileiros consagrados mundialmente e uma referência para várias gerações de artistas".