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 | Miguel Nicolau Abib Neto/Especial para a Gazeta do Povo
| Foto: Miguel Nicolau Abib Neto/Especial para a Gazeta do Povo

Ciência

Um dia as máquinas vão pensar?

Alan Turing é considerado o pai da ciência da computação. Seus estudos permitiram a revolução da informática. Ao questionar a si mesmo se as máquinas poderiam algum dia pensar como os humanos, abriu um campo de investigação que ainda hoje é farto de possibilidades e temores: a inteligência artificial.

No século 17, o filósofo britânico Thomas Hobbes propôs que o pensamento ocorre de forma mecânica, por meio da relação de soma e subtração de conceitos para resolver problemas. Herdeiro dessa tradição mecanicista, Turing desenvolveu a ideia: se pensar é tão somente isso, máquinas devidamente programadas para processar dados podem pensar.

O matemático britânico acreditava que os computadores vão simular tão perfeitamente o pensamento do homem que um dia será impossível distinguir humanos das máquinas numa conversa "cega" entre eles, em que o diálogo ocorra apenas por meio de mensagens escritas. O chamado "teste de Turing", discutido de passagem no filme O Jogo da Imitação, já vem sendo feito por cientistas de várias partes do planeta com resultados cada vez melhores. Para as máquinas.

É isso que alimenta o medo de que a humanidade será vítima de sua própria criação, destruída por computadores e robôs muito mais inteligentes que os homens. O apocalipse cibernético tem sido tema recorrente na ficção. E encontra eco em cientistas renomados, como o físico britânico Stephen Hawking – que recentemente fez seu alerta a respeito dos riscos da inteligência artificial.

Outras linhas de pesquisa sugerem, porém, que não há tanto motivo para preocupação. Embora os computadores processem dados mais rapidamente e com maior precisão que humanos, eles travam ao se deparar com situações não previstas no programa. Precisam ter controle total da realidade para funcionar – algo impossível até mesmo para as supermáquinas. E, principalmente, são incapazes de dar significado às informações processadas. Falta-lhes, enfim, a autoconsciência.

Ainda assim, a pergunta: "Podem as máquinas pensar?" continuará aberta por muito tempo. Mais um legado de Turing.

Estreia

O Jogo da Imitação tem estreia nos cinemas prevista para o dia 5 de fevereiro. Ele é um dos filmes com mais indicações ao Oscar 2015, atrás apenas de Birdman e do Grande Hotel Budapeste, que disputam nove categorias cada um.

8 indicações

O Jogo da Imitação conquistou oito indicações ao Oscar 2015, incluindo filme, diretor (Morten Tyldum), ator (Benedict Cumberbatch), atriz coadjuvante (Keira Knightley), roteiro adaptado, montagem e trilha sonora.

Feitos surpreendentes às vezes vêm das pessoas de quem menos se espera. Num conflito bélico, a expectativa do triunfo geralmente recai sobre os ombros dos generais e de suas táticas astuciosas para ludibriar o inimigo. Talvez poucos apostem suas fichas em alguém sem qualquer experiência de combate ou em estratégias militares. Ainda mais se ele for antissocial e esconder dos olhos das autoridades um "crime" que costuma cometer em segredo. Mas esse homem – o matemático inglês Alan Turing (1912–1954) – era um gênio. E deu a maior contribuição individual para a vitória aliada na Segunda Guerra Mundial, segundo palavras de Winston Churchill.

A história de como Turing ajudou a salvar o Ocidente democrático do nazifascismo é retratada no filme O Jogo da Imitação, que estreia nos cinemas de Curitiba no dia 5 de fevereiro. Curiosamente, o matemático que tinha algo a ocultar foi recrutado pelas Forças Armadas britânicas justamente para descobrir os segredos da máquina de criptografia alemã Enigma. O aparelho permitia ao comando nazista enviar ordens de guerra por mensagens de rádio que, embora fossem facilmente interceptadas pelos aliados, estavam num código indecifrável.

Turing (interpretado pelo britânico Benedict Cumberbatch, da série televisiva Sherlock, da BBC ) via aquele desafio como um jogo de palavras cruzadas. Da mesma forma que é preciso escolher as letras certas para fechar as cruzadas, a solução do enigma nazista exigia descobrir qual era a correspondência no alfabeto dos caracteres interceptados pelos aliados.

O problema é que a máquina Enigma tinha 129 trilhões de possibilidades de regulagem. E era reprogramada a cada 24 horas. Todo o trabalho de um dia de decodificação das mensagens era jogado no lixo à meia-noite. Uma equipe de criptógrafos bem treinados levaria milhões de anos para decifrá-la. Humanamente impossível.

Era necessário, portanto, algo que imitasse o pensamento do homem e o potencializasse para vencer o jogo – e a guerra. A solução encontrada por Turing, além de dar a vantagem que os aliados precisavam para derrotar os nazistas, abriu as portas para os fabulosos avanços da informática que beneficiam a humanidade atualmente.

E o "crime" cometido por Turing? O mistério atravessa todo o filme e vai sendo desvendado aos poucos, como num jogo de palavras-cruzadas que se fecha à medida que o passado do matemático encontra o presente. Mas antes de chegar lá, um aviso para quem não conhece a biografia de Turing em detalhes e não deseja estragar a surpresa de O Jogo da Imitação: pare a leitura aqui.

Punição

O "segredo" de Turing foi publicamente revelado na década seguinte após o fim da guerra, quando a polícia começou a investigar um roubo à casa dele (no filme, por sinal, há uma imprecisão histórica a respeito do fato: a denúncia do assalto não partiu de um vizinho, como retratado, mas do próprio matemático).

Em meio às investigações, os policiais descobriram que ele era gay. Condenado por práticas homossexuais, crime previsto pela conservadora legislação britânica da época, Turing morreu precocemente, aos 41 anos, humilhado e em profundo desgosto. Ironicamente, o herói de guerra que salvou o mundo livre não podia exercer livremente sua sexualidade.

Enigma

Durante a Segunda Guerra, os nazistas adotaram uma máquina chamada Enigma para transmitir ordens de guerra criptografadas. O aparelho tinha 129 trilhões de possibilidades de regulagem. E era reprogramada a cada 24 horas. Todo o trabalho de um dia de decodificação das mensagens era jogado no lixo à meia-noite. E foi o funcionamento dessa máquina que Alan Turing conseguiu destrinchar, como quem preenche um jogo de palavras cruzadas.

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