| Foto: Priscila Forone/Gazeta do Povo

A distância entre o sonho e a concretização do insight inicial pode ser ou não, muitos dizem, infinita e repleta de dores de cabeça. É como uma gravidez: para algumas mulheres, uma travessia turbulenta; para outras, uma aventura no paraíso.

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O cineasta Paulo Munhoz, a atriz Claudete Pereira Jorge, o músico Oswaldo Rios e o artista plástico Marcelo Scalzo falam, em coro, que o maior impasse para quem tem prazo para entregar um projeto é saber administrar a ansiedade.

Munhoz conta que Belowars, filme de animação, levou uma década para ser realizado. A adaptação do livro Guerra dentro da Gente, de Paulo Leminski, foi tão desgastante, e consumiu tanta energia, que ele até pensou que não chegaria vivo até o fim. Depois desse desafio, e de dezenas de outros projetos, o cineasta elaborou uma máxima que já circularia pelo meio artístico – e ele pede que seja citada na reportagem, até para que venha a ser reconhecida sua autoria: "Não se suicide. Pode ter vida depois da morte".

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Naturalmente, é uma brincadeira, mas que evidencia uma realidade: muitas vezes, em meio a um processo coletivo, como é a produção de um filme, em que há muitas pessoas envolvidas, apagar incêndios e resolver chiliques pode levar um diretor, ou outro profissional, a jogar a toalha.

Claudete Pereira Jorge conta que também esperou dez anos para realizar a montagem de Medeia, que saiu de cartaz depois de mais de um mês no palco do Guairinha. A ideia de encenar o texto clássico surgiu quando ela participou de À Grega, com direção de Marcelo Marchioro. "Se demorou para realizar Medeia? Claro que demorou. Mas não existe processo rápido", conta.

Essas esperas, mesmo que provoquem algum desgaste, de maneira geral, são frutíferas. Marcelo Scalzo diz que a exposição Da Pá Virada, viabilizada com recursos públicos, só aconteceu porque houve um tempo de maturação. "No início, não sabia exatamente o que iria realizar. Então, a espera foi fundamental", afirma.

Oswaldo Rios até faz um elogio ao tempo que antecede a apresentação de um projeto: é a oportunidade para experimentar o ócio, indispensável para toda e qualquer manifestação artística.

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Toda uma vida em meio a processos

Claudete Pereira Jorge (foto 1), 56 anos, já participou de pelo menos cem projetos de dramaturgia. Ela viveu na época em que as bilheterias bancavam toda a produção, até a década de 1980, e chegou aos tempos em que, em Curitiba, são as leis de incentivo, e somente esses mecanismos, que subsidiam as artes cênicas. "No Paraná, não existe teatro sem lei de incentivo", diz. A atriz está, para usar uma expressão que ela cita, toda fagueira com o sucesso de Medeia, encenada por mais de 40 noites no Guairinha. Essa montagem, dirigida por Marcelo Marchioro, saiu do papel graças a recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Curitiba. Mas, lamenta Claudete, as leis de fomento ainda são insuficientes. O dinheiro oficial foi destinado a pagar três meses de trabalho, dois para ensaios e um para apresentação. Mas a equipe de Medeia ficou por mais de um ano em processo de imersão na pesquisa. Os outros nove meses foram "financiados" pela própria equipe. "Ou seja, as leis ainda não conseguem bancar todo um processo artístico", constata. Claudete confessa que, em alguns casos, perde o sono, devido a todas as tensões que envolvem uma montagem. Mas tenta compensar as horas perdidas dormindo mais nos dias seguintes. "Me deixo levar pela ansiedade", conta. No caso de Medeia, agora que o compromisso oficial já foi realizado, ela pode até correr o país com a peça. Mas, apesar disso, já começa a pensar em outras propostas. De projeto em projeto, toda uma vida se passa. Ela sonha com o dia em que mecanismos de fomento à cultura venham a subsidiar, não apenas os processos, mas também o tempo de ócio.

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"Pra que cara feia?

Na vida ninguém paga meia." Oswaldo Rios (foto 2), aos 49 anos, é músico em Curitiba, e tal condição praticamente exige que ele permaneça enredado em projetos. É como andar de bicicleta. Para seguir, não pode parar. As leis de incentivo são a alavanca para a produção e a gravação dos álbuns de seu conjunto, o Viola Quebrada, conhecido em âmbito nacional por realizar pesquisa de música sertaneja de raiz. Entre um e outro álbum, o grupo realiza shows, pelo Paraná e em outros estados, uma das fontes de renda do músico e dos outros integrantes do Viola. No entanto, Rios costuma puxar o freio de mão, no que diz respeito à ideia de ser produtivo o tempo todo. Ele sabe que o suposto "não fazer nada" é o que, na realidade, dá substrato à arte. Por isso, enquanto o momento de subir no palco ou entrar em estúdio não chega, o músico e compositor relaxa. Permite-se flanar pelo centro da cidade. Encontra-se com amigos. Ou, até mesmo, "não faz absolutamente nada". Algumas ideias para letras e melodias de canções já surgiram nessas, aparentemente, horas perdidas.

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De toda forma, Rios tem um olho no ócio e outro no fazer. Ele reconhece que, no contexto brasileiro, o artista, até por necessidade de sobrevivência, tem de estar permanentemente atento aos editais e processos de incentivo. Saber preencher formulários e cumprir prazos, entre outras obrigações burocráticas, também faz parte do show. "Mas nada precisa ser, necessariamente, dolorido, nem doloroso. Afinal, como dizia o Leminski: ‘Pra que cara feia? Na vida ninguém paga meia’", argumenta.

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Não acaba nem quando termina

Paulo Munhoz (foto 3), em seus 47 anos, nem lembra mais em quantos projetos esteve envolvido. Afinal, comenta o cineasta, há muitas propostas que naufragam. Mas esses naufrágios, pondera, são muito importantes para os "gols" que acontecem, e aparecem. Brichos, a animação que tornou o nome Paulo Munhoz conhecido em todo o Brasil, foi esboçada em 2002 e se materializou em 2006. Durante o processo, ele teve de administrar todo o tipo de problema possível. Mas nada que não pudesse ser contornado. Munhoz diz algo que é uma verdade para quem trabalha com audiovisual: um filme é uma obra que não termina. Afinal, concluído o filme, todo um novo processo se abre: enviar cópias para festivais, encontrar canais para distribuição, entre outras urgências. Como diria o Galvão Bueno, "é teste para cardíaco". O cineasta lembra de outro nó a ser desatado: no Brasil, fazer cinema é, guardadas todas as proporções, ser um quituteiro que faz quindim e quer vender o seu produto em um mercado ávido por BigMacs. "Ser cineasta é ser herói", diz. Mas, além de pensar no filme, todo cineasta brasileiro precisa conhecer os mecanismos oficiais de fomento. "Porque, no Brasil, só é possível fazer filme por meio de leis de incentivo à cultura", diz. E, então, aparece outra pedra no caminho: no Paraná não há leis de incentivo em âmbito estadual, apenas mecanismos municipais e as possibilidades federais. "Os realizadores de outros estados não entendem como conseguimos fazer cinema por aqui. Tiramos leite de pedras", conclui.

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O projétil e outras metáforas

Marcelo Scalzo (foto 4), 40 anos, diz lidar bem com os processos que separam a concepção e a realização de um projeto. "Fiz ‘dúzia e meia’ de exposições", conta. Dá Pá Virada, a sua mais recente experiência, contabilizou 24 meses de envolvimento com uma ideia. Em 2008, surgiu uma possibilidade: ele despejou mais de 700 mil pazinhas de sorvete pelo chão de sua casa-ateliê, no São Francisco. Em um primeiro momento, não sabia aonde a aventura iria desembocar. Mas, como era um projeto com verbas da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, havia prazo. Diante da necessidade de apresentar um resultado, ele relaxou. Durante a espera, como Scalzo conta, Dá Pá Virada foi sendo cerzido: ele desenhou formas femininas nas superfícies das pazinhas. O artista plástico gosta de metáforas. Ele compara o processo de um trabalho artístico a um rio em linha reta. Afinal, há um objetivo a ser atingido. Mas, depois de concluído, o projeto passa a ser definido, por ele, como um rio sinuoso, com novas surpresas pela frente. Scalzo gosta tanto de metáforas que compara um projeto cultural a um projétil. É que, antes de disparar a bala, no caso, o projeto, é necessário descrever um trajetória, que prevê um caminho. "Mas, uma vez disparado o projétil, se o projeto acertou o alvo, ou não, é difícil dizer", comenta. Ele lamenta que a falta de crítica e repercussão dos projetos ainda seja um dos problemas, ainda mais agudos, do que administrar a ansiedade durante um processo. "Se ninguém comenta, como saberemos se estamos acertando ou não?", questiona.