São Paulo - Dizer que Ensaios, do norte-americano Truman Capote (1924-1984), é uma obra menos fundamental do que seu clássico A Sangue Frio não desmerece este lançamento. O livro reúne nada menos que 42 peças escritas entre 1946, quando o autor tinha 22 anos, até sua morte.
São perfis, crônicas, notas autobiográficas e relatos de viagem, a maioria originalmente publicada em revistas como The New Yorker e Esquire e agora reunidos pela primeira vez em livro.
Como quase toda coletânea, há altos e baixos. Mas os altos compensam, e muito, para quem decide se aventurar pelas 600 páginas.
Capote é um autor de primeira grandeza. Sua obra compreende roteiros para cinema, peças, poesias, contos, novelas.
Mas é no gênero que viria a ser conhecido como jornalismo literário, no qual é considerado um dos pioneiros, que fez sua fama.
Poucos como ele souberam transformar as reportagens jornalísticas em verdadeiras obras-primas da narrativa não ficcional.
Um belo e hilariante exemplo presente no livro é "Ouvindo as Musas", relato da turnê de uma companhia negra de ópera americana pela ex-União Soviética.
Pequenos dramas humanos se desenrolam em uma sucessão de desencontros, como se fosse uma comédia do melhor gênero, tendo como pano de fundo a Guerra Fria. Nada escapa à verve e ao poder de observação do escritor.
Em algum momento, a dose de realidade é tão insólita que esquecemos tratar-se de uma não ficção.
Ensaios é uma ótima maneira de entrar em contato com a história da segunda metade do século 20 e inspirar a atmosfera das rodas sociais mais exclusivas da época, a que Capote tinha livre acesso artistas, políticos e milionários de forma geral.
Personalidades como o ator Marlon Brando (1924-2004) e o dramaturgo Tennessee Williams (1911-1983) são retratados em memoráveis perfis.
O fascínio pelo horror e pela violência, que permeia A Sangue Frio, ressurge em "Caixões Feitos a Mão".
E há também o "Autorretrato", em que Capote entrevista a si mesmo, desvendando seu modo singular e por vezes afetado de pensar o mundo. "Vamos colocar assim: eu preferiria ser meu amigo que meu inimigo", confessa, às tantas.
É uma pena que a tradução, embora correta, não seja tão fluente. E que alguns dos textos aqui compilados mais pareçam anotações de um diário do que propriamente ensaios, como o título do livro sugere.
Ainda assim, para os fãs da boa escrita do jornalismo literário, Ensaios é uma obra necessária.
Serviço:
Ensaios, de Truman Capote. Tradução de Debora Isidoro. Leya, 608 págs., R$ 49,90.