Para especialistas, as novelas imitam a vida
A popularidade de personagens de telenovela ambíguos e de caráter duvidoso, como a Bebel de Camila Pitanga ou mesmo o Antenor Cavalcanti de Tony Ramos, não é apenas fruto do excelente trabalho dos atores. Segundo estudiosos ouvidos pela Gazeta do Povo, a condescendência com as armações e com os desvios de conduta desses vilões carismáticos refletiria uma certa decadência de valores como honra, honestidade e ética.
Em 2001, quando interpretava o galã marroquino Said, em O Clone, o ator carioca Dalton Vigh, 43, apesar de mais atraente e poderoso que seu rival na trama, o clonado Lucas (Murílio Benício), sofria nas mãos de sua esposa, Jade (Giovanna Antonelli), constantemente indecisa entre a segurança financeira de seu casamento e o verdadeiro amor de sua vida.
Apesar de ter sido revelado nacionalmente graças ao papel na trama de Glória Perez, Dalton não conquistou a simpatia do telespectador, que, do início ao fim da novela, torceu para que Jade e Lucas finalmente ficassem juntos. Sempre vestido em ternos alinhados e com semblante sério, Said não ganhou o aval do público, reação provavelmente causada pela passividade de seu personagem, eternamente disposto a perdoar sua amada esposa, qual fosse a gravidade da situação.
Já no ano passado, na pele do vilão Clóvis Moura de O Profeta o dono de uma fábrica de cristais que, após conquistar a mocinha da trama, Sônia (Paola Oliveira), revelou-se um carrasco torturador de mulheres , Dalton tornou-se mais popular do que jamais fora ao longo de seus dez anos de carreira.
A maldade e a frieza de seu personagem, em contraste com o caráter bondoso do insosso profeta Marcos Oliveira (Thiago Fragoso), acabaram por concentrar as atenções dos telespectadores nos planos malignos elaborados pelo vilão com o intuito de manter Sônia afastada do vidente.
Tanto que Dalton Vigh acaba de ser escalado para seu primeiro trabalho, como protagonista da próxima novela das 21 horas, Duas Caras, que estréia no dia 1.º de outubro, substituindo Paraíso Tropical.
Seu personagem? Um estelionatário, que ao longo da trama irá aplicar inúmeros golpes, mudando sua identidade e até suas feições por meio de procedimentos cirúrgicos, para não ser descoberto.
O caso de Dalton Vigh não é uma raridade em meio à história da teledramaturgia brasileira. Nem a situação inversa vilões rejeitados pelo público. Tudo parece depender de um encaixe entre a imagem do ator e o papel de vilão ou mocinho. Basta lembrar de casos como os de Antonio Fagundes, em Dono do Mundo (1991) e Tony Ramos, em Torre de Babel (1998).
Na polêmica novela de Gilberto Braga, o galã Fagundes despertou uma profunda antipatia do público ao interpretar o cirurgião plástico mau-caráter Felipe Barreto. Na época enfrentando forte concorrência da novela mexicana Carrossel, exibida pelo SBT, Braga foi obrigado a atenuar a maldade do personagem para aumentar a audiência da novela, transformando-o, repentinamente em um médico altruísta, que dava plantões gratuitos em bairros pobres.
Mostrar Tony Ramos assassinando a esposa com uma pá no primeiro capítulo de uma novela também não foi uma escolha muito acertada por parte de Sílvio de Abreu em Torre de Babel. Na pele do perturbado ex-presidiário José Clementino, Ramos viu-se desafiado a gerar empatia nos telespectadores, mal-acostumados a vê-lo na pele de bom moço, tarefa cumprida com excelência comprovada pelos diversos prêmios recebidos pelo ator naquele ano.
Atualmente interpretando o ganacioso empresário Antenor Cavalcanti, em Paraíso Tropical, Tony Ramos não enfrenta tantas dificuldades quanto em Torre de Babel. Se no início Antenor era odiado pelo público por ser infiel e autoritário, aos poucos o personagem foi ganhando admiração e torcida ao mostrar as complexas nuances de seu caráter, sempre em mutação.
Caso semelhante acontece com o casal Bebel (Camila Pitanga) e Olavo (Wagner Moura), também de Paraíso Tropical. Apesar de vilões e trapaceiros convictos, já são mais populares que os mocinhos Daniel (Fábio Assunção) e Paula (Alessandra Negrini). Sem falar na gêmea Taís (Negrini), que domina a cena a cada aparição ao lado da irmã boazinha.