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Hoje com 77 anos, o que Roth tem a dizer sobre a velhice? |
Hoje com 77 anos, o que Roth tem a dizer sobre a velhice?| Foto:

Sexo ruim

Saiba um pouco sobre as críticas recebidas pelo livro nos EUA.

Prêmio

A Humilhação causou reações apaixonadas de pessoas que acharam ridículas algumas cenas eróticas escritas pelo autor. Ele chegou a ser indicado para o prêmio de "cena ruim de sexo", dado por um jornal britânico.

Homossexual

Uma das coisas que mais incomodaram os leitores americanos parece ter sido a maneira como Roth falou de Pegeen, a personagem gay que vive uma relação heterossexual com o protagonista, Simon Axler.

Feliz

Roth, claro, disse ter ficado feliz com todo o auê. Na idade em que está (77), não imaginava que seria possível ainda ser polêmico.

Philip Roth se digladia com a velhice há quase uma década. Foi em 2001, quando publicou O Animal Agonizante, que passou a lidar com o tema mais abertamente, olhando no olho, falando sobre decadência física e morte. Os livros escritos nesse período são curtos e foram produzidos rápido – cinco títulos em nove anos. A velocidade talvez indique a urgência do tema para o autor.

A Humilhação é o exemplar mais recente e menos inspirado dessa leva e fala de um ator importante, o sexagenário Si­­mon Axler, que perde a capacidade de atuar de uma hora para outra.

Junte o lançamento com as obras anteriores de Roth e você tem um panorama estarrecedor do que é envelhecer. Hoje com 77 anos, o que o escritor tem a dizer sobre a velhice? Nada que possa confortar alguém com mais de 60. É uma época que poderia ser definida pelas perdas que impõe. É preciso dar um passo para o lado e dar a vez aos mais jovens. Quanto mais se luta contra isso, maior é o sofrimento. E os personagens de Roth resistem como podem e sofrem demais. A imagem de um idoso tranquilo e sábio, consciente de sua experiência, feliz, fazendo o balanço de suas realizações é ficção científica para o escritor.

Amor e doença

A série a respeito da velhice co­­meçou com O Animal Agonizante, que trata da falência do "músculo" responsável pelas relações amorosas. David Kepesh, o protagonista, se apaixona por uma mulher muito mais nova, mas se mostra incapaz, ainda e mais uma vez, de assumir o compromisso. Para complicar, há a doença dela, que o paralisa e apavora.

Morte

Morrer é o tema de Homem Comum. A história faz um balanço da vida do personagem principal, sem nome, e conduz para um desfecho seco, defendendo que não há conforto nenhum na morte, a não ser no que há de palpável a respeito dela (o túmulo, a terra, o trabalho do co­­veiro).

Desejo

Depois de escrever sobre Kepesh, Roth partiu para outro alter ego famoso, Nathan Zuckerman. Em Fantasma Sai de Cena, o escritor fictício se vê tendo de lidar com impotência e incontinência. A falência corporal não o impede de se apaixonar por uma mulher com menos da metade de sua idade. O livro se debruça sobre o desejo, um dos tormentos da velhice.

Interlúdio

Indignação não é sobre velhice, mas sobre o papel do acaso, ou, antes, sobre a força avassaladora de eventos que as pessoas não podem controlar. É também sobre o fim. Um jovem de 19 anos à beira da morte por causa de ferimentos sofridos na Guerra da Coreia revê os acontecimentos de sua existência breve. Toda a narrativa é construída para desembocar na última sentença do livro, acachapante.

Trabalho

A Humilhação pode ser encarada como o desfecho da série (Nemesis, o próximo romance de Roth, fala de uma epidemia de pólio em Newark, no ano de 1944). Com um pessimismo notável, o escritor abordou amor, doença, morte e desejo. De certa forma, o livro novo compila os quatro temas e acrescenta a eles um quinto: o trabalho.

Numa noite sobre o palco, Simon Axler se descobre incapaz de atuar. O talento que tinha o abandonou totalmente. Ele entra numa depressão violenta e perde a mulher, que não suporta a condição do marido. Ela vai embora para cuidar do filho viciado em drogas. A impossibilidade de trabalhar desemboca em pensamentos suicidas até conhecer Pegeen, uma mulher 25 anos mais nova que surge como uma redenção possível.

Depois de viver uma frustração amorosa – sua companheira a abandona para se tornar homem com a ajuda de hormônios e cirurgias –, Pegeen decide ter uma experiência heterossexual e se envolve com Axler. Sendo Philip Roth quem ele é, a relação dos dois não pode acabar bem. O fato de o desastre ser inevitável e também previsível é um ponto fundamental sobre essa série de livros acerca da velhice.

Tempestade

A terceira idade chega para os personagens de Roth como um desastre da natureza, uma tempestade que os arrasa e destrói tudo o que têm. A impressão é de que eles estavam tranquilos pensando em outra coisa, levando suas rotinas sem desconfiar do que está para acontecer. De uma hora para outra, descobrem que viviam sem amor, abandonam ou são abandonados, e perdem tudo que consideravam valioso – têm de dar adeus ao sexo, ao trabalho, à saúde e à vida.

Os filhos e a família não oferecem conforto e, com frequência, são razão de mais sofrimento. Os personagens de Roth têm poucos amigos ou nenhum. São desprovidos de paixões (a não ser pelas mulheres) e, diante da velhice, às vezes agem como um adolescente que se recusa a crescer. No caso deles, a recusa é quanto a envelhecer.

Desfecho

Um escritor que pode servir de contraponto aqui é Haruki Murakami, de Norwegian Wood. Japonês que passa longas temporadas nos Estados Unidos, ele é maratonista e durante anos manteve um diário das corridas que disputou. No ano passado, publicou em inglês um livro com esses textos, What I Talk About When I Talk About Running ("Do Que Falo Quando Falo sobre Corrida").

Murakami tem 60 anos e uma saúde extraordinária. Porém, em vários momentos, escreve sobre as limitações físicas impostas pela idade – ele admite, para ficar num exemplo, que seus tempos estão piorando e não devem melhorar nunca mais. Ele não usa a palavra "paixão" para falar de corrida, mas é evidente a importância das maratonas para ele, o quanto elas o inspiram.

Para não prolongar um texto que já está longo, Murakami e Roth, o esportista e o pessimista, sugerem que ou você aceita as limitações que acompanham a velhice, ou ela acaba contigo. GGG

Serviço:

A Humilhação, de Philip Roth. Companhia das Letras, 104 págs., R$ 32.

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