Há quem ache Haruki Murakami um gênio, digno de vencer o prêmio Nobel de Literatura, para o qual vem sendo apontado como um dos favoritos nos últimos anos. Mas o escritor japonês também tem lá seus detratores, que o consideram um criador maneirista. Possivelmente por conta das mesmas razões pelas quais os milhões de fãs do autor ao redor do mundo fazem de seus livros grandes best sellers internacionais.
O ambicioso IQ84, romance em três volumes, cujo primeiro tomo acaba de ser lançado no Brasil, concentra ao longo de suas mais de mil páginas todos os traços que fazem de Murakami um nome tão controverso.
Em IQ84 Livro 1, a narrativa se divide entre dois personagens que, aparentemente, não têm nada que os conecte o autor vai adiar o máximo possível o momento em que suas trajetórias vão se entrecruzar.
Aomame é uma jovem habitante de Tóquio, uma cidade de onde se veem duas Luas. Por trás da fachada de mulher de negócios, a personagem esconde uma identidade secreta: ela é uma assassina profissional, cuja missão é eliminar, de modo extremamente planejado, e sem deixar quaisquer pistas, homens que maltratam mulheres.
Elegante, sexualmente ambígua, e em constante embate com seus fantasmas pessoais, a justiceira, cuja vida será colocada em risco ao longo dos livros, parece saída do universo dos quadrinhos, dos mangás, ao mesmo tempo em que é uma melômana, capaz de identificar uma composição do tcheco Janácêk já nos primeiros acordes.
A aproximação entre a cultura pop e a erudita é uma das marcas da escrita de Murakami, e uma das que encontra maior ressonância junto a seus leitores, que curtem navegar entre citações a Dostoievski e à dupla Sonny & Cher em uma mesma narrativa.
Proposta indecente
O professor de Matemática e aspirante a escritor Tengo, por sua vez, tem em comum com Aomame o fato de também ser jovem e algo propenso à solidão. Embora sonhe publicar seu próprio romance, ele recebe do editor Komatsu, um sujeito ardiloso e algo maquiavélico, uma proposta um tanto indecente. Quer que ele reescreva o romance de estreia de uma adolescente, cujo nome artístico é Fuko-Eri.
Embora seja mal escrito, em um estilo precário, Tengo e Kamatsu concordam que o romance da garota, com traços de realismo fantástico assim como a própria literatura de Murakami traz uma história fascinante, que merece ser contada ao mundo. E tem potencial para se tornar um sucesso de vendas e faturar prêmios, caso passe por uma profunda revisão.
Tengo hesita diante da proposta do editor até conhecer Fuko-Eri, por quem se sente atraído instantaneamente, e cuja mente também o intriga: misteriosa e excêntrica, ela diz existirem na vida real as criaturas fantásticas, saídas da boca de um bode morto, que povoam seu romance, e acaba por abalar a aparente previsibilidade na qual o professor tenta se escorar em seu dia a dia.
Exímio contador de histórias, Murakami envolve o leitor já nas primeiras páginas de IQ84, dotando seus personagens, assemelhados aos de seus livros anteriores, de tanta riqueza de detalhes, que é quase impossível resistir a eles, mas apenas se o leitor aceitar os termos de contrato com o universo ficcional muito peculiar do autor.
Misturando elementos de aventura, fantasia, ficção científica, sempre temperados com gosto pelas referências culturais que tanto lhe apetecem, Murakami cria uma história rocambolesca, envolta em mistério e erotismo, que pode irritar e muito quem tem dificuldade em lidar com obras que exijam a suspensão da descrença antes de embarcar nos seus universos paralelos. GGG1/2
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