Wim Wenders está de volta ao panteão dos grandes autores em atividade no mundo do cinema. Estrela Solitária, lançamento DVD neste mês, marca uma espécie de renascimento do alemão como artista relevante, em sintonia com seu tempo, fazendo lembrar o diretor inquieto e questionador que, nos anos 80, marcou toda uma geração de cinéfilos com os já clássicos Paris, Texas, que lhe valeu a Palma de Ouro de l984, e Asas do Desejo, prêmio de direção no mesmo festival, em 1987.
De volta à América, território que o fascina e instiga, Wenders revisita as paisagens geográficas e dramáticas de Paris, Texas, cujo roteiro é assinado pelo também teatrólogo Sam Shepard, ator principal de Estrela Solitária. Relembrando: Travis (Harry Dean Stanton), o protagonista de Paris, Texas, emergia do deserto e, com o filho, partia numa viagem em busca da mãe do garoto (Nastassja Kinski). Em Estrela Solitária, o cineasta revisita o universo da família, ou melhor, dos dramas familiares.
No filme, o pai, vivido por Shepard, é um astro decadente, lembrado por seus papéis de caubói e cujos filmes já não fazem o mesmo sucesso de antes. Em uma espécie de crise da meia-idade, ele foge do set e vai se abrigar na casa da mãe, a quem não vê há longos anos algo muito comum nos Estados Unidos, onde as distâncias tanto físicas como afetivas podem atingir proporções continentais. No reencontro, fica sabendo que tem um filho. A partir dessa revelação, parte em busca desse elo perdido com o passado e consigo mesmo. A mãe do garoto (Jessica Lange, mulher de Shepard na vida real) também não poderia ser mais emblemática em termos de imaginário norte-americano. É uma garçonete com quem teve um caso durante uma filmagem numa pequena cidade do Meio-Oeste. O filho, por sua vez, puxou ao pai é um artista rebelde, desajustado.
Estrela Solitária, sobretudo, discute relações complicadas. Amargura, o sentimento de não ter feito o que podia para ser feliz, conduz o caminho de todos os personagens. A mãe do protagonista, Eva Marie Saint (oscarizada por Sindicato de Ladrões), esquecida pelo filho; Jessica, a que foi abandonada; o garoto, revoltado por ter sido criado sem a figura paterna por perto.
Wenders reafirma ter um olho especial para captar a América interiorana, em toda sua desolação e complexidade. O faz de maneira ao mesmo tempo crítica e apaixonada. Essa geografia bruta, que vive de mitos como os do western (encarnados pelo caubói protagonista), faz com que Estrela Solitária feche uma espécie de trilogia involuntária, ao lado dos igualmente importantes Três Enterros, de Tommy Lee Jones, e O Mistério de Brokeback Mountain, de Ang Lee. Os três filmes discutem, cada um à sua maneira, o confronto entre a vastidão representada pela paisagem e pela natureza americanas e a claustrofobia imposta pelos valores, pela ordem social em que nossos vizinhos do Norte estão mergulhados. GGGG
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