Os franceses cismam em questionar os motivos de tudo. Para celebrar o centenário do cinema, o documentário Lumière e Cia. (1996) perguntou a 40 cineastas "Por que você filma?". As respostas eram diversas. Wim Wenders, por exemplo, rebateu apenas com "Porque (ponto)". David Lynch disse que não precisaria mais filmar se soubesse a resposta.

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Em meados dos anos 80, jornalistas do Libération organizaram o livro Por Que Você Escreve?, inédito no Brasil, com mais de 400 respostas de autores do mundo todo. Quando pôs as mãos nesse livro, José Domingos de Brito já se considerava um colecionador de entrevistas dadas por escritores e somava uma centena delas. Ao ler o livro francês, viu-se em uma encruzilhada porque sua idéia já havia sido "bem executada e editada em livro". E se questionou se continuaria ou não com a coleção. Brito disse sim e, a partir dela, planejou uma série de publicações chamada Mistérios da Criação Literária. Os dois primeiros volumes acabam de sair: Por Que Escrevo? e Como Escrevo? (Editora Novera, 224 e 232 págs., R$ 39 cada).

Na verdade, Por Que Escrevo? é uma 2.ª edição ampliada. A anterior foi publicada pela Escrituras em 1999 (com sorte, ainda se pode encontrá-la em algumas livrarias), mas Brito não conseguiu dar seqüência à idéia original. "Esta reedição foi feita sem o apoio da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. O livro agora adquiriu autonomia", explica. Pela Novera, lança os dois primeiros volumes em uma leva. Os outros quatro devem abordar as relações da literatura com cinema (a sair este ano), jornalismo, política e religião. Ao final da série, o panorama criado pela seleção de depoimentos pode não desvendar os mistérios da escrita, mas deve ao menos defini-los de maneira mais clara.

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Bibliotecário sênior do Parlamento Latino-Americano, o pernambucano Brito tem hoje mais de 3 mil entrevistas, acumuladas em 25 dos seus 56 anos de vida. Ao fuçar sua coleção, percebeu que algumas perguntas e temas são recorrentes em conversas com escritores. Um das fontes mais caras ao projeto é a revista The Paris Review, cujas entrevistas foram editadas no Brasil em forma de livro, primeiro como Escritores em Ação (Paz e Terra) e depois como Os Escritores (Companhia das Letras)."A melhor coletânea de entrevistas até hoje realizada", segundo Brito.

A grande diferença entre as edições de Por Que Escrevo? é o número de títulos na bibliografia comentada – foi de dez para 28, começando em 1851 (Sobre o Ofício de Escritor, de Arthur Schopenhauer) e terminando em 2004 (Negociando com os Mortos, de Margaret Atwood). Os depoimentos também aumentaram – de 96 para 113, uma diferença de 17 autores (confira algumas frases nas margens desta página). Entre eles: o paranaense Dalton Trevisan – que diz escrever "com ternura" –, Blaise Cendrars, Carlos Heitor Cony, George Orwell, Gore Vidal, Günter Grass, Julio Cortázar, Lya Luft e Máximo Gorki.

Pela Escrituras, a obra tinha um visual mais sóbrio. A Novera a deixou mais enfeitada, usando uma fonte que imita a escrita à mão e emoldurando os números das páginas com o desenho de uma gota de tinta. Outras alterações foram mais sutis. Antes, o autor dividiu os testemunhos em "Memória Literária" e "Literatura Viva" para separar autores mortos e vivos. Agora, todos aparecem juntos debaixo do subtítulo "Depoimentos".

As coletâneas pedem leitura aleatória, reforçada pelo chamado "índice de orelha" ou "índice de consulta simultânea", criado por Gilberto Monteiro Lehfeld, ex-colega de Brito no Centro de Documentação da Companhia de Engenharia de Tráfego em São Paulo. Impresso no verso da orelha do livro, não é preciso deixar a página em que se está para consultá-lo.

Enfim, não há apenas uma resposta possível para as questões propostas nos livros. Pode haver várias ou nenhuma. Assim como acontece com outros mistérios da vida, talvez seja melhor deixar a criação literária com os seus. Tem-se a impressão de que os escritores se sentem mais confortáveis em responder como trabalham. Explicar por que escrevem os deixa na defensiva. Brito acredita que a resposta se insinua na permanência da palavra escrita. Ela seria um meio de se sobreviver à morte.

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