• Carregando...
Segundo familiares, o escritor morreu de complicações geradas por uma pneumonia | AFP Photo/Robin Beck
Segundo familiares, o escritor morreu de complicações geradas por uma pneumonia| Foto: AFP Photo/Robin Beck

Um crítico sem papas na língua

Gore liderou críticas à política internacional norte-americana no período das Guerras do Vietnã e do Iraque.

Classificou o ex-presidente George W. Bush como "o homem mais estúpido dos Estados Unidos". Também criticou o tratamento dispensado por Israel aos palestinos.

Após o 11 de Setembro, acusou o governo dos EUA de levar os ataques "para dentro de casa", com diplomacia que considerava equivocada.

Pela destreza com que aprofundava temas políticos e refletia sobre as transformações da sociedade no pós-guerra, foi chamado de "uma versão americana de Montaigne". Fazia jus à comparação escrevendo com propriedade, humor e finas provocações intelectuais.

De origem aristocrática e neto do senador Thomas P. Gore (1870-1949) --para quem lia na infância, dada a cegueira do avô--, se candidatou duas vezes ao Congresso. Derrotado, voltou à trincheira da reflexão política.

"Vidal é um dos raros seres civilizados que restam no nosso mundo", sentenciou Paulo Francis, em artigo publicado na Folha de S.Paulo em setembro de 1980.

Também se destacou pela militância sexual. Com o livro "A Cidade e o Pilar", de 1948, causou furor por narrar um romance entre dois homens.

Já em "Palimpsesto", contou ter se relacionado com mais de mil homens e mulheres até os 25 anos.

Mas, com o ex-executivo Howard Austen, morto em 2003, Gore Vidal manteve um relacionamento de 55 anos. O segredo da longevidade da relação, segundo ele, era nunca terem dormido juntos.

Doente, fez a última aparição em 2009, quando ganhou o National Book Awards.

O escritor, romancista, ensaísta e roteirista de cinema norte-americano Gore Vidal, morreu aos 86 anos nesta terça-feira (31) na casa onde residia, em Los Angeles, nos Estados Unidos, em razão de complicações geradas por uma pneumonia. A informação foi dada por familiares nesta quarta-feira (1º).

Autor de 25 romances, dois livros de memórias, oito peças de teatro e centenas de ensaios, Vidal alimentou com gosto a persona do intelectual público, midiático e controversista. É autor de "Juliano, Apóstata" e "Hollywood", entre outras obras e se consagrou como roteirista de cinema, com textos de "Calígula" (1979) e "Paris Está em Chamas?" (1966), e também teve muito sucesso como autor de peças de teatro.

Candidato eterno ao Nobel da Literatura, Vidal era primo de Al Gore e meio-irmão de Jacqueline Kennedy.

O norte-americano era considerado um dos intelectuais mais críticos à política oficial de seu país, junto a Susan Sontag, Noam Chomsky e Norman Mailer. Ao lado de Mailer e Truman Capote, também era tido como um dos melhores escritores e pensadores dos Estados Unidos. Vidal foi um ávido escritor e frustrado político cuja produção literária girou em torno do romance histórico, da sátira sobre o estilo de vida dos americanos e da ficção científica.

Em 1993, obteve o Prêmio Nacional do Livro dos Estados Unidos por seu ensaio "United States Essays, 1952-1992". No campo da política, Vidal não conseguiu o mesmo sucesso. Nos anos 60, teve um papel muito ativo dentro das fileiras mais liberais do Partido Democrata e se apresentou sem sucesso para o posto de congressista pelo Estado de Nova York. Entre 1970 e 1972, presidiu o People's Party (de tendência liberal), e em 1982 se apresentou como senador pela Califórnia e ficou perto de conquistar uma cadeira no Congresso ao obter mais de 500 mil votos.

"Gore é um homem sem inconsciente", dizia o escritor italiano Italo Calvino, sobre a lucidez do intelectual. São dele as mais perspicazes observações sobre o declínio do império americano, que Gore Vidal dizia "estar apodrecendo em ritmo fúnebre", sobretudo pela afeição ao militarismo.

Biografia

Vidal começou a escrever aos 19 anos, quando servia como soldado no Alasca e usou suas experiências da Segunda Guerra Mundial como base para "Williwaw". Seu terceiro livro, "A Cidade e o Pilar", causou sensação em 1948, por ter um homossexual assumido como protagonista. Ao confirmar sua morte, o site oficial do escritor publicou duas fotos dele, uma como jovem primeiro-sargento durante a Segunda Guerra Mundial, e a outra como o iconoclasta escritor que ele se tornaria. Cáustico e ególatra na mesma proporção em que era elegante e brilhante, Vidal conviveu com alguns dos grandes escritores da sua época, e também bateu cabeça com vários deles. Considerava Ernest Hemingway uma piada, e comparava Truman Capote a um "animal imundo que conseguiu entrar na casa". Mas seus maiores inimigos literários foram o guru conservador William F. Buckley Jr. e o romancista Norman Mailer, a quem Vidal certa vez comparou ao assassino fanático Charles Manson. Mailer deu uma cabeçada em Vidal antes de uma aparição televisiva, e em outra ocasião o atirou no chão. Com Buckley, o bate-boca chegou a ser transmitido ao vivo para todo o país, quando ambos comentavam a Convenção Nacional Democrata de 1968. Vidal acusou Buckley de ser um "pró-criptonazista", e Buckley chamou Vidal de "queer" (algo como "bicha louca") e ameaçou socá-lo. Vidal nunca pareceu fazer questão de controlar seu abundante ego. Numa entrevista de 2008 à revista Esquire, Vidal disse que as pessoas sempre ficaram impressionadas por ele ter conhecido tanta gente famosa, de Jacqueline Kennedy a William Burroughs. "As pessoas sempre colocam essa frase ao contrário", disse ele. "Quer dizer: por que não colocar da forma verdadeira: que essas pessoas vieram a me conhecer, e queriam isso?"

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]