Quem for assistir a Os Amantes Passageiros, novo filme do diretor espanhol Pedro Almodóvar, em cartaz desde a última sexta-feira, não deve confiar no pôster, que estampa como protagonistas do longa os astros Antonio Banderas e Penélope Cruz. Embora os dois estejam no elenco, ele não são os protagonistas. Muito pelo contrário: fazem apenas participações especiais, logo no início da trama, para nunca mais aparecerem.
Está certo que os personagens de Banderas e Penélope têm lá uma função essencial na trama: funcionários que trabalham no controle da pista de um aeroporto de enorme movimento, formam um casal que, durante a jornada de afazeres, celebram a descoberta de estarem "grávidos". Distraídos com a grande notícia, acabam cometendo um erro que irá determinar o destino de um voo que está prestes a decolar: comprometem o funcionamento de um dos trens de pouso da aeronave.
Esse avião, de uma companhia aérea chamada Península, acaba servindo a Almodóvar para falar do estado das coisas na Espanha contemporânea. Logo que o defeito é detectado, e fica evidente a possibilidade de ocorrer um acidente de proporções trágicas, a primeira medida tomada é dopar a classe econômica com uma dose cavalar de relaxante muscular, para evitar um surto de pânico generalizado. Esses passageiros mais "genéricos" simbolizariam a classe média do país, que atravessa uma turbulenta crise como poucas na história recente da terra de Cervantes.
A ação, portanto, se passa entre os pilotos, os comissários de bordo e os viajantes instalados na primeira classe e na executiva, que acabam protagonizando uma grande comédia vaudeville como há muito o diretor não realizava.
Voltando ao cartaz de Os Amantes Passageiros, que não cita um nome sequer do elenco central do filme, vale prestar atenção ao trio de atores que vive três comissários gays, que na verdade são os verdadeiros protagonistas da trama: Joserra (Javier Camara, de Fale com Ela), que vive um caso com o piloto, Alex (Antonio de la Torre), um homem casado e com filhos; o espevitado Ulloa (Raúl Arévalo), muito chegado a sexo, drogas e biritas de todos os tipos; e Fajas (Carlos Areces), carente, religioso e sempre ansioso por mostrar seus dotes de artista de cabaré.
É com esse trio da pesada, e hilariante, que o resto das figuras centrais do filmes, entre eles a dominatrix e ex-aspirante a estrela Norma (Cecilia Roth, de Tudo sobre Minha Mãe), o astro de telenovelas Ricardo (Guillermo Toledo) e até uma sensitiva virgem, interagem em situações que misturam (muito) humor e (um tanto) de melodrama.
O resultado dessa nova viagem do diretor espanhol está bastante aquém de boa parte de sua filmografia, e dialoga com títulos mais antigos, e cômicos, como Maus Hábitos, Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos e Kika. Mas estão lá o apuro estético, as inventivas soluções de roteiro e direção (é brilhante a forma com que o diretor filma o desfecho do voo) e, mesmo disfarçado, o ácido comentário político sobre a Espanha de hoje em dia. É um Almodóvar menor, sim, mas que não nega fogo. GGG
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