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 | Poty/ Acervo João Lazzarotto
| Foto: Poty/ Acervo João Lazzarotto

Dalton Trevisan chegou aos 90 não só com a mesma capacidade de criação de artistas muito mais novos. Sua obra, em que ele segue trabalhando, continua presente na literatura feita hoje no Brasil, de acordo com autores ouvidos pela Gazeta do Povo.

“Pelo menos para a minha geração, sempre foi uma referência”, conta Fabrício Carpinejar, que diz ter sido marcado pelos contos “absurdamente crus, cruéis, ferinos, desconcertantes” do escritor.

“Dalton sempre vai ficar muito mais próximo das novas gerações do que das velhas. Ele não é um escritor da retaguarda. Ele não tem como ser cânone, não tem como ser beatificado”, explica o escritor, para quem a literatura de Dalton ainda é chocante para a maioria dos leitores.

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“É difícil trabalhar os contos do Dalton Trevisan, por exemplo, na escola. É inconcebível imaginar uma coleção: ‘Contos Para Ler na Escola – Dalton Trevisan’”, brinca.

“Ele nunca perdeu a vitalidade. A juventude da transgressão. Mas sempre com muita seriedade. Ele nunca brincou com literatura”, diz.

Presença

Michel Laub diz que o nome de Dalton Trevisan vem à tona com menos frequência hoje (outro jovem autor ouvido pela reportagem, Daniel Galera, conta que o curitibano nem chegou a ser realmente discutido em seu círculo). Mas Laub explica que, quando começou, há 20 anos, “era meio que obrigatório” passar por Dalton. “Quando comecei a escrever, inclusive, emulava um pouco os contos dele e do Rubem Fonseca”, diz Laub.

Ecos de Dalton poderiam ser encontrados também na obra de autores como Marçal Aquino e Marcelo Backes – na opinião do próprio Backes. “A presença dele é visível, sim, em vários escritores mais jovens que ele e mais velhos do que eu”, opina o escritor, que define Dalton como “um dos grandes contistas brasileiros vivos, junto com Sérgio Faraco e Luiz Vilela”.

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Técnica

Do estilo ainda influente de Dalton, Laub destaca a concisão, da qual o curitibano seria um dos mestres brasileiros. “Nesse aspecto, embora trate de universos diferentes, acho que ele representa a face moderna de uma tradição que vem do Machado de Assis e passa pelo Graciliano Ramos”, diz.

Backes, que conta ler Dalton “primeiro usufruindo, depois estudando”, diz que desde cedo vem examinando o estilo e a técnica dele, e que foi especialmente tocado pelo que chama de “um realismo incisivo” – que o autor gaúcho tenta praticar em seu último romance, “A Casa Cai” (2014), “apesar do universo diferente e quase oposto”.

“Se a obra de Dalton é um registro do pequeno mundo da classe média miserável (com seus empréstimos, juros, penhores e dívidas), que às vezes se funde ao mundo prostituto dos marginais (gays, michês, lésbicas e prostitutas), acabando por se perder dentro dele, eu vi e tentei mostrar em ‘A Casa Cai’ que isso é humano, e portanto nem de longe tão diferente na classe alta”, compara Backes, destacando também as “análises micrológicas” ligadas ao “caricaturismo detalhista” dos personagens de Dalton.

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“[Otto Maria] Carpeaux já viu em Dalton o ‘observador atento dos pormenores da realidade’, apontando que talvez a ‘sua verdadeira característica seja a de cronista do cotidiano’. E é o que eu também tento ser, sempre no objetivo de compreender as transformações pelas quais passa o mundo lá fora e a alma aqui dentro. Sem contar a maestria no diálogo que caracteriza Dalton, e eu considero esse um dos principais problemas da literatura contemporânea, do Brasil como um todo, e ele se reflete até num cinema que não sabe escrever diálogos”, contextualiza Backes.

“De um ponto de vista panorâmico, a obra de Dalton compõe um mundo uno, uma grande comédia humana, um romance infindável. Ele furunga na miséria, que é a miséria social pra ele, mas no fundo é também a miséria humana. A guerra doméstica é contemplada no detalhe do microscópio; a miséria moral do homem é sua grande obsessão. Suas figuras são esboçadas através de um pincel fugidio, mas preciso, de inspiração às vezes quase caricaturesca. Seu neorrealismo existencialista e desesperado (às vezes carregadamente naturalista) devassa os quartos de pensão, emerge da tensão constante entre sujeito e mundo e desvenda o universo perigoso escondido no recanto mais quentinho de um lar, com espaço para o uso pródigo e certeiro do macabro, do grotesco e do sádico, de viés expressionista. Isso é literatura, isso é arte!”, diz Backes.

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