A cultura popular parece uma árvore antiga, daquelas que quando você acha que está quase pela boa, renasce - folhas, flores, frutos. Lá no litoral do Paraná, na Ilha de Superagui, enquanto o Brasil comemorava sua independência, algumas crianças e jovens dançavam tímidos o fandango caiçara. Dependente deles, uma tradição centenária que há tempos une paranaenses e paulistas.
No mês de setembro, uma festa comemorou os dois anos do grupo Raízes Fandangueiras. Foi em 2014, que a vontade de ver o fandango da Ilha de Superagui se fortalecer, fez Dona Diva e sua filha, Adriane, começarem uma busca por pessoas interessadas em reconhecer o fandango - aprendendo suas batidas e letras e se reapropriando dele.
“Nossa, quando a gente foi recrutar eles ali na escola eram mais de 40 crianças querendo aprender, com aquela vontade, todos felizes”, conta Hebert dos Santos. Ele foi a primeira pessoa que Dona Diva procurou. Hoje, aos 26 anos é um dos responsáveis pelo grupo que possui em torno de 30 integrantes. Jéssica, sua esposa, é quem ensina as crianças a dançar.
“Aqui venho de tão longe, rompendo marés e ventos, somente pra não faltar no nosso divertimento”, versos de fandango da família Pereira.
“Toda semana não dá, mas pelo menos uma vez por mês vocês podem me buscar, e não precisa de cachê, um prato de camarão já tá bom!”, avisou o mestre Nemésio, presidente do grupo Pés de Ouro, que mora na Ilha dos Valadares e foi levado até Superagui para tocar no aniversário. A festa foi no quintal de uma lanchonete, a poucos metros da beira da praia. Na trilha de areia, já dava pra escutar o som do fandango. Viola, rabeca, adufo, pandeiro, tamanco.
Alguns moradores ficaram do lado de fora, espiando quietos, outros sentados perto do palco. Alguns turistas olhavam com um sorriso curioso e se atreviam a dançar quando era hora de todos se juntarem ao bailado. Os meninos, com tamancos de madeira nos pés, vestiam todos uma camisa azul, e as meninas balançavam saias de chita. No palco enfeitado com algumas rabecas estavam os músicos. Logo na frente, sobre o chão de areia, o tablado, feito especialmente para reverberar o batido das tamancas e frequentemente varrido pela vassoura que também serve de consolo para quem ficou sem par.
De onde vem o fandango
- Amanda Souza especial para a Gazeta do Povo
Acredita-se que o fandango chegou ao país por volta de 1750, junto com os imigrantes que vieram povoar o litoral de São Paulo e do Paraná. As influências açorianas e espanholas se misturam às contribuições indígenas e caiçaras da região, dando origem, assim, ao fandango que conhecemos hoje. Na década de 1960, quando o rádio e, logo depois, a televisão chegaram chegando no Brasil, a atenção passou a ser outra. A cultura popular foi ficando adormecida, enquanto a telinha mostrava coisa antes desconhecidas e distantes.
Mas na década seguinte, o fandangueiro Romão Costa recebeu incentivos para resgatar os instrumentos guardados, as letras na cabeça, colocar os tamancos nos pés e voltar a cantar e dançar o fandango caiçara. Os grupos que surgiram deram continuidade a tradição, reanimaram os mestres e fizeram crescer novamente esse movimento. Em novembro de 2012, o fandango foi, finalmente, reconhecido como patrimônio cultural brasileiro.
Cláucio, morador da ilha, conta que depois dos mutirões de trabalho, eram feitos os bailes de fandango. E ainda é assim, mesmo que diferente dos tempos passados, ele ainda está presente, não só como comemoração do sucesso dos trabalhos coletivos, mas nas festas religiosas, como a do Divino Espírito Santo, nos casamentos, nas peregrinações. Em cada lugar com as suas características, mas sendo único na importância que carrega entre o som dos instrumentos feitos a mão, as batidas dos tamancos e os rodopios das damas com suas saias.
Mas, mesmo que a cultura popular se assemelhe a uma árvore antiga - que quando parece estar quase sem vida, rebrota - colocaria aqui uma diferença entre as duas: diferentemente da árvore, cada vez que a cultura renasce e a cada dia que ela se perpetua, traz consigo as novidades do tempo presente. De formas diferentes, acaba somando essas diferenças à tradição e aos conhecimentos do passado. Cultura popular é tesouro que a cultura oral faz e refaz pra gente.