Carregado de cenas enigmáticas e símbolos, "Sheep" conta fragmentos de histórias de Mouton (primeiro à direita) e amigos| Foto: Divulgação

Há mistérios que existem para não serem solucionados. O filme "Sheep" é um deles. O nome original "mouton", quer dizer Carneiro em francês. É o apelido do personagem principal, Aurélien, um jovem calado e um tanto perturbado, que provavelmente ganhou esse nome por sua natureza fácil, sempre seguindo os amigos para aonde vão e sendo vítima de brincadeiras humilhantes.

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O filme utiliza uma narrativa nada usual para contar fragmentos da história de Mouton e seus próximos. Lento, segue o ritmo da cidade litorânea onde eles vivem- um vilarejo no interior onde pouca coisa acontece e o tempo passa devagar. Ainda assim, o longa-metragem é carregado de cenas enigmáticas e símbolos, que podem facilmente passar despercebidos pelo espectador menos atento.

Perto da metade da história, praticamente toda a rotina de Mouton já foi exposta e ainda assim não se sabe nada sobre quem ele realmente é. Ele vive e trabalha em um hotel, levanta cedo para receber a carga de peixes frescos junto com os outros garçons e em seguida vai para a cozinha. "Não tenha medo, ele não sente mais nada", afirma o chef, ensinando-o a cortar o peixe da maneira certa. Além disso, tem uma perfeição quase lunática na hora de preparar os pratos para os clientes.

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Justamente quando se pensa que mais nada pode acontecer de interessante, um incidente vira a história de cabeça para baixo e tira Mouton do conforto de sua rotina, de seus ritos diários de se vestir e trabalhar. Mouton é afastado e a narrativa agora se foca em como seus amigos vivem depois de sua mudança para outra cidade e do trauma do acidente inesperado. O personagem que até então era o centro de toda a trama desaparece para sempre.

Por um lado, cachorros, gatos e peixes estão presentes o tempo todo e o protagonista também leva o nome de um animal, insinuando uma natureza selvagem que estaria presente em cada ser humano. Por outro, o longa-metragem explora a responsabilidade das mães pelas loucuras dos personagens, uma vez que inicia com uma cena da mãe de Aurélien tentando desesperadamente não ser afastada judicialmente do filho.

Várias passagens misteriosas ficam sem explicação, como um ritual em que toda a cidade faz fila para, em silêncio, acariciar um enorme peixe morto e se retirar com um respeito quase religioso. Ou então o momento em que Mimi, um amigo de Mouton que trabalha em um canil, tenta abandonar um cão na praia. O cachorro quer ir com ele, mas também quer a liberdade, quer a comida que está no chão e, nessa indecisão, fica para trás. A sequência seguinte é longa e significativa, mostrando Mimi caminhando de volta para casa, olhando diversas vezes por cima do ombro para se certificar de que o cão não está o seguindo.

"Sheep" é um daqueles filmes em que entender o significado é menos importante que a sensação que sobra ao final. Em cada história paralela e personagem secundário, o sentimento que prevalece é o da solidão. O filme termina com uma carta de uma amiga para Mouton. "Nunca vou te esquecer. Louise."