O ápice de uma guerra de classes é o sabor de não saber quem tem razão. Principalmente porque nenhum lado tem. E os dois, três, quatro ou todos os lados têm. Se o pobre menino rico é engolido num mundo plástico de super-heróis, de brinquedo e horas vazias, o aparente livre menino da rua é cercado da realidade atroz que, por outro ângulo, também o engole. Engolidos, cada, em seus mundos, engolindo o espectador em caracteres dúbios, embaçados de longe, mas quase sufocantes de perto. Quase não se sabe se se quer ver direito. Para não ter que escolher, torcer ou praguejar. Ambos merecem pena. Ambos erram. O ponto é que, na moral, nenhum tem um acerto significativo. O que mora na rua trata o cachorro com a liberdade que lhe aparentemente integra. O que mora no Cinco reproduz com o cachorro a aparente redoma criada pelo pai. Mas os dois parecem querer e precisar do cachorro. O cachorro grande elo fraco da história é a corda puxada em dois lados, sem direito a escolha, porque, afinal, é um cachorro... E existe o juiz: a força que mantém a esmola ou o trocado do menino da rua por guardar ou limpar o carro. A força que decide e regra o menino do Cinco pelo laço de sangue ou paternalismo. Protecionismo. A si, à integridade de sua casa e filho. Ao comodismo da distância.E se os dois meninos quebram as regras? Perdem? Quando o menino do Cinco transgride na rua, na chuva, é resgatado. Um misto de decepção e reencontro entre pai e filho. Emoção calada e latente. Mais uma vez é o cachorro o elo entre os dois. Assim como no lado de fora, entre o patrão eventual e o limpador/cuidador de carros eventual. A transgressão do menino da rua, sim, gera a perda. Invadir o prédio, o território fechado, tendo todas as portas fechadas na cara. É ele quem sobe as escadas. É ele quem tem que quebrar as barreiras para conseguir o que quer. Hesitar seria perder. Continuar seria perder. E no fim, há sempre o que perde mais. Geralmente, o interesse dos protagonistas das lutas. Sem fala, sem decisão, sem vontade. Mortal ser juiz. Mortal ser cachorro.
(Texto produzido durante a oficina de crítica cinematográfica da mostra Olhar de Cinema)
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