Miguel Esposito em frente ao mural de notáveis do Guaíra: 50 anos de arte| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Miguel Esposito se move com naturalidade, mesmo com a perna manca, consequência de um acidente doméstico, por dentro de um Teatro Guaíra permeado por um tom de luz de fim de tarde: a cada poucos passos curtos, o senhor de 1,58 metro e 69 anos acena para um e ou­­­tro, e fala com propriedade sobre cada detalhe do palco. Pudera: ele é o funcionário mais antigo da casa – já são quase 50 anos de serviços prestados.

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Tudo começou quando criança, no Grupo Escolar República do Uruguai, aos 10 anos, no recém-inaugurado Guaíra (em 1954, somente com o Auditório Salvador de Ferrante, conhecido por Guairinha): uma das professoras selecionou Esposito para representar a escola em uma apresentação. "Fiquei bem feliz, adorei fazer a coreografia." Apesar da resistência da mãe em ter um filho artista, ele se encantou pelo lugar e, anos depois, botou a mão na massa como técnico dos espetáculos e contrarregra. "Fui ficando."

Participou da equipe de espetáculos como Escola de Mulheres (1965), com Nicette Bruno – a foto da peça é uma das dezenas expostas em um dos corredores do Guaíra. Esposito aponta para cada uma delas e discorre sobre as lembranças. "A Odelair era fora de série!", diz ele sobre a atriz Odelair Rodrigues (morta em 2003), ao ver a imagem do espetáculo O Cerco da Lapa. "No teatro, a gente não diz que morreu, mas que se foi", explica. Também recorda da "fase muito boa" de A Megera Domada (1964), com Paulo Goulart, anos em que os profissionais do teatro eram reconhecidos nas ruas. "Apontavam: ‘olha ali, o moço do Guaíra’. E eu ficava todo garboso."

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Porém, nem tudo era tranquilo naqueles anos , em plena ditadura militar no país. "Tinha que pedir licença até para virar para a esquerda e direita", conta Esposito. Os ensaios eram acompanhados por agentes da censura e o técnico sempre preferiu ficar "em cima do muro", ensinamento do falecido pai, Domingues. "Ele dizia para eu nunca ter vergonha de estar em cima do muro, porque só assim tem como saber para qual lado pular." Depois da repressão, foi necessário reaprender a dizer sim. "Tivemos de preparar a cabeça de novo, porque em cada peça não podia algo, até determinados objetos de cena eram retirados."

Batente

Além dos espetáculos em que trabalhou, os antigos materiais técnicos (que hoje viraram peças de museu) foram manuseados por Esposito. No projetor de slides dos anos 1970, por exemplo, era necessário colocar papel celofane para gerar uma cor diferente no palco, explica. Na hora da troca de roupa, outro truque: a placa de ferro era empurrada, ocasionando escuridão total. "Aí contávamos certinho o tempo. Se a gente errasse, tinha risco de encontrar o ator em pelo ali no palco." Com a parafernália atual, trabalhou pouco. "Meu negócio é na base da churrasqueira", fala Esposito, em alusão a alguns equipamentos que eram movidos a carvão.

Atualmente, Esposito é responsável por guiar os visitantes pelo Teatro Guaíra, que ficam sabendo como a mágica dos palcos acontece nos bastidores. É possível descobrir, por exemplo, que a placa de "não fume" na coxia do Guairão é escrita também em russo. "Para mim, inglês não entra na cabeça. Acho mais fácil assimilar o russo. Fora que já tivemos por aqui técnicos ucranianos." Foi com esses profissionais e diretores, aliás, que Esposito aprendeu. Nunca se interessou em cursar faculdade. "A maior faculdade que eu fiz na vida foi a do dia a dia, e que se chama Teatro Guaíra. Foi aqui que aprendi tudo."

Para cada grupo de visitantes, ele prepara uma "palestra diferente", fruto de consultas a uma infinidade de materiais que reuniu em sua sala, todos espalhados pela mesa e chão. "Tem gente que brinca que minha sala é um lixo, mas acho mais fácil me situar assim." Não larga o batente nem à noite, em casa, e às vezes estuda até às 3 horas da manhã, para o horror da mulher e dos familiares. "Eles vivem me dizendo que não consigo me desligar daqui."

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Paixões

Depois do acidente na garagem de casa, há dez anos, Esposito foi impedido de dirigir e passou a ir ao trabalho de ônibus. Do Cajuru até o centro, vai observando os "personagens do cotidiano. "Foi algo que aprendi com os diretores, de sempre olhar as pessoas em volta. Aí fico olhando aquelas moças que vêm do fundo do ônibus gritando para a outra lá na frente. Todo dia é algo novo, e fico muito feliz com isso." Em menos de um ano, quando completa 70, terá de se aposentar. "É em junho do ano que vem, está perto...". Nos planos, ainda incertos, Esposito pretende deixar os palcos com tranquilidade e ir morar no litoral.