A maior parte da produção cultural brasileira que merece ser vista sobre um palco, os paranaenses viram no Guaíra. A preparação de bailarinos, de atores e de músicos do estado, passa pelo Guaíra. A formação de plateia para a música clássica e para a ópera sempre dependeu do Guaíra. O espaço cultural mais importante e tradicional do estado está às vésperas de celebrar algumas datas importantes: em 2014 se verá os aniversários de 130 anos do Theatro São Teodoro, embrião do espaço atual; 60 anos do Guairinha (Auditório Salvador de Ferrante) e 40 anos do Guairão (Auditório Bento Munhoz da Rocha Netto). O Guaíra já teve dias melhores, mas continua sendo fundamental para o Paraná. Por isso, a Gazeta do Povo publica a partir de hoje e ao longo do ano reportagens sobre a realidade atual, os problemas, a rica história e os projetos deste espaço público tão especial. Viva o Guaíra.
Quem sobe ao palco do Teatro Guaíra mesmo com as mais de 2.100 cadeiras vazias se emociona com o local, respeitado e adorado por quem lá trabalha e tem o privilégio de atravessar, todos os dias, o imenso palco de 54 metros de largura para iniciar o expediente. Responsável por montagens que marcaram época, como O Grande Circo Místico, de 1983, uma das mais conhecidas coreografias do balé do teatro, que teve músicas especialmente compostas na ocasião por Edu Lobo e Chico Buarque, além de peças como Galileu Galilei, de 1989, com Paulo Autran, o centro cultural passa hoje por uma situação delicada.
Entre os principais problemas está a falta de recursos, o que dificulta a retomada dessas grandes produções do passado. Hoje, o espaço, que é uma autarquia, recebe do governo do estado, segundo a diretora presidente Monica Rischbieter, R$ 1 milhão para fazer toda a programação cultural do Balé Guaíra, Orquestra Sinfônica do Paraná (OSP) e a G2 Cia. de Dança.
Outros R$ 500 mil (que podem atingir R$ 1 milhão) são fontes próprias do teatro, como a bilheteria e o aluguel para shows e formaturas. Em outras épocas, o orçamento já foi mais generoso: em 2006 era de R$ 4 milhões, mas, naquele mesmo ano, parte do dinheiro foi redirecionado para a construção de bibliotecas cidadãs. O aceitável hoje, comenta Mônica, seria um repasse de R$ 2,5 milhões (fora a arrecadação própria). "Não seria o ideal, mas daria para fazer muito mais bagunça e festa."
Caso o desejo se torne realidade, há projetos elaborados por Mônica e pela diretora artística Mara Moron, além da intenção de retomar ações como o Teatro de Comédia do Paraná, montagens próprias (a última foi em 2000, quando Felipe Hirsch dirigiu Os Incendiários) e o Comboio Cultural, com ônibus que levavam apresentações da OSP e do Balé para o interior. "A gente tem um centro cultural com condições para montar o que quiser. Mas as coisas param quando para o dinheiro", frisa a diretora presidente.
Burocracia
Por ser autarquia e ter de se submeter a todas as exigências de qualquer outro órgão público, alguns processos acabam engessados, o que vai contra a dinâmica da área cultural, que requer mais agilidade. Além da falta de funcionários (em 1992 eram 494, hoje, são cerca de 180), que não foram repostos em novos concursos públicos algo fora de cogitação por conta da Lei de Responsabilidade Fiscal, que determina que o Executivo comprometa no máximo 49% da receita líquida corrente com gastos de pessoal; o Paraná está no teto máximo , os espetáculos precisam seguir o que exige a lei de licitações. "O balé da escola fez uma apresentação com as crianças, e elas tinham uma tiara de joaninhas. Na 25 de Março [rua de comércio popular em São Paulo] custa R$ 1,50. Mas não podemos ir lá e comprar, temos de licitar e a empresa precisa ter todas as certidões negativas exigidas. A gente acabou pagando R$ 22 cada tiara", conta Mônica. Hospedar a OSP em cidades do interior é outra tarefa árdua, porque somente algumas cidades têm hotéis com a documentação exigida. "Aí, os músicos precisam ficar em Londrina, por exemplo, e fazer a região, viajando e voltando todos os dias", diz Mara Moron.
Uma das saídas é a gestão feita por Organizações Sociais (OSs), associações privadas sem fins lucrativos que firmam um contrato de gestão com o governo do estado. Com isso, há flexibilidade maior na contratação (por CLT), facilidade para captação de recursos via Lei Rouanet e menos burocracia. A intenção, segundo o secretário de Cultura Paulino Viapiana é que Balé e Orquestra sejam geridos por OS (um edital para qualificar entidades como OS está aberto pela secretaria). "Não pretendemos terceirizar o Guaíra, ele continuará com as mesmas atribuições. É um equipamento público e assim deve permanecer. Nossa intenção é fazer contratos de gestão para administrar os corpos estáveis."
Modelo
A administração por OS na área cultural é mais moderna, salienta a coordenadora de extensão cultural da Escola São Paulo de Teatro, Lúcia Camargo. Ela já foi conselheira e diretora do Teatro Guaíra, secretária estadual da cultura do Paraná e diretora artística do Theatro Municipal de São Paulo. "Com OS você tem mais condições de fazer parcerias, conseguir recursos e até contratar músicos de outro país." Porém, a OS, segundo ela, só é válida quando há programação própria sólida. "Tem de tomar cuidado para que o Guaíra não vire uma casa de aluguel, precisa de equilíbrio."
Colaborou Rafael Rodrigues Costa
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