Ensaio
Machado de Assis: por uma Poética da Emulação
João Cezar de Castro Rocha. Civilização Brasileira, 368 págs., R$ 40. Teoria literária.
Segundo Italo Calvino, "clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer". Na literatura brasileira, o escritor que melhor atende a esta receita é Machado de Assis, dono de um estilo não resolvido e desabusado. É nosso autor com a fortuna crítica mais prestigiosa, tanto dentro quanto fora do idioma. Para se escrever com originalidade sobre ele é preciso, portanto, identificar novos dizeres no interior de sua obra uma tarefa para poucos.
Com Machado de Assis: por uma Poética da Emulação, João Cezar de Castro Rocha dá conta disso ao demarcar um centro crítico na obra deste autor: o seu projeto de se apropriar sistemática e seletivamente do legado literário de línguas e latitudes mais prestigiosas, recusando o método romântico da obra criada a partir de uma experiência pretensamente particular. Esta superação dos procedimentos românticos se dá com um retorno a estratégias clássicas, em que o rearranjo inventivo de temas e recursos é comportamento padrão. Ao recuar a um outro modelo de obtenção do literário, Machado de Assis se fez moderno.
O momento decisivo desta mudança seria a leitura preconceituosa (invejosa) que Machado de Assis faz de Eça de Queirós, quando percebe que o escritor português havia se valido de uma mecânica do plágio. O brasileiro recusa o processo, mas esta recusa aguça encaminhamentos internos no mesmo sentido que sua obra vinha tomando. Em um Eça de Queirós tido por inadequado, Machado de Assis vai encontrar a sua identidade madura, a de um escritor que transita por outras culturas, recolhendo tradições. Numa apaixonada minúcia analítica, João Cezar de Castro Rocha explora todos as nuances deste processo de emulação, identificando-o como axial.
Não é gratuita a projeção internacional de nosso ficcionista, pois ele se concebeu, num país tomado por complexos provincianos, como pertencente a um todo indivisível. Oscilando entre o que se saqueia e o que se é, criando trânsitos irônicos entre o local e o universal, Machado levou a literatura brasileira a herdar outras latitudes e outras temporalidades, ao mesmo tempo em que lhe dava uma potência local. Sem entender este procedimento como próprio apenas do periférico, mas como um recurso literário por excelência, o crítico demonstra a importância de tal método na afirmação dos produtos literários não hegemônicos. Ao entender Machado de Assis como adepto da antropofagia cultural, antes de ela ser uma bandeira modernista, João Cezar instala o autor em uma outra linhagem, situando-o como um mestre do recurso moderno de samplear textos. Ou seja, seus procedimentos formais continuam antecipando práticas contemporâneas.
Se esta construção crítica, por si só, já colocaria em lugar de destaque este ensaio, há ainda outra qualidade, de natureza estética. Machado de Assis: por uma Poética da Emulação propõe um outro estilo ensaístico. Uma energia reflexiva percorre todo o livro, jogando a leitura sempre para frente. A cada página, sentimos o mesmo entusiasmo do início, e o final é ainda marcado por esta vontade (apenas momentaneamente suspensa) de compreender.
Avesso ao festival de notas de rodapé, às divagações teóricas, entendendo a crítica como "descrição densa", João Cezar exerce uma pedagogia da leitura em que o crítico escuta o autor com um ouvido seletivo. Seu ensaio é um rearranjo da obra de Machado a partir de um centro pulsante, isolado também na tradição crítica do autor, que sofre o mesmo processo de colagem cada capítulo do ensaio abre com um conjunto de citações de estudiosos de Machado de Assis, que funciona como balizas reflexivas que nortearão a leitura.
As conclusões a que o crítico chega são oriundas principalmente da capacidade de articulação das descobertas na obra do próprio Machado e da sistematização de teses de seus principais intérpretes a partir de uma hipótese crítica, a da teoria da emulação. A presença de uma primeira pessoa do singular desinibida, os parágrafos curtos, os autoquestionamentos, tudo isso dá um valor vivo a um ensaio que se lê como literatura.
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