Ricardo Darín, o ator-fetiche de Campanella, ao lado de Soledad Villamil em cena de O Segredo de Seus Olhos, maior bilheteria do cinema argentino em 30 anos| Foto: Arquivo/ Gazeta do Povo

Confira

Confira os filmes de Juan José Campanella disponíveis no Brasil:

O Segredo dos Seus Olhos (2009) – em exibição no Brasil, mas ainda não em Curitiba.

Clube da Lua (2004) – já disponível em DVD.

O Filho da Noiva (2001) – já disponível em DVD.

O Mesmo Amor, a Mesma Chuva (1999) – já disponível em DVD.

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Nada é mais argentino do que assistir a um filme de Juan José Campanella protagonizado por Ricardo Darín em uma sala do Complexo Tita Merello, no centro de Buenos Aires. O lugar é a meca do cinema nacional, Darín é seu rosto-símbolo – algo como Fernanda Montenegro e Selton Mello para a cinematografia tupiniquim – e Campanella continua sendo o diretor mais popular da geração atual, no país vizinho. Mas não apenas lá, como revelou a seleção dos indicados ao Oscar de melhor filme estrangeiro 2010, cuja cerimônia acontece no dia 7 de março. Depois de emplacar O Filho da Noiva na premiação de 2001, este ano Campanella entra na disputa com sua produção mais recente, O Segredo de Seus Olhos. É o primeiro – e até agora o único – cineasta sul-americano a concorrer duas vezes à estatueta nessa categoria.

Desta vez, o diretor e roteirista argentino – que hoje passa a maior parte do tempo nos EUA, dirigindo episódios da série de tevê Law and Order – apresenta um thriller político baseado em um romance policial do escritor Eduardo Sacheri, tendo como pano de fundo um crime não-solucionado durante a ditadura militar. Quem assistiu às suas produções anteriores, no entanto, reconhece que o valor artístico de Campanella não está tanto na construção de histórias originais ou esteticamente ousadas, mas na reinvenção de um dos gêneros cinematográficos mais tradicionais da Argentina: o melodrama.

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Histórias de amor salpicadas de lágrimas sempre foram a prata da casa no continente latino-americano, especialmente em suas extremidades, México e Argentina. No país do tango, a indústria viveu sua "época dourada" nos anos 1930 e 1940 graças a melodramas protagonizados por ícones da música como Mecha Ortiz e Libertad Lamarque. Anos mais tarde, Mario Soffici e Hugo Del Carril retomaram o gênero e chegaram a produzir alguns melodramas sociais, mas com o fortalecimento de um cinema político, de militância – encabeçado pelo grupo Cine Liberación, de Fernando Solanas e Octavio Getino –, o melodrama foi perdendo sua força.

Na última década do século 20, quando a produção de filmes voltava a se reestruturar no país vizinho após o traumático governo Menem – o que, para nós, foi sentido na era Collor –, surge o que se convencionou chamar de Nuevo Cine Argentino (NCA). Não era um movimento artístico, mas representava toda uma geração de cineastas com algo em comum: o desejo de produzir um cinema independente, com novos modelos narrativos e de produção, que rompesse com a tradição costumbrista e a idealização dos valores nacionais que sempre marcaram aquela cinematografia. Muitos diretores se identificaram com esta proposta, entre eles Pablo Trapero, Israel Adrián Caetano, Martin Rejtman e Lucrecia Martel. Muitos, mas não Juan José Campanella.

Em oposição às produções de seus colegas, Campanella promoveu uma interessante renovação da estética melodramática argentina, gênero de apelo popular que não poderia se sustentar sem o respaldo de um modelo industrial, com orçamento e bilheteria muito superiores aos longas-metragens realizados pelos seus conterrâneos – O Segredo de Seus Olhos já foi visto por mais de 2,5 milhões de pessoas, tornando-se o maior fenômeno de público do cinema argentino nos últimos 30 anos. Para conquistar tal feito, Campanella vem seguindo impecavelmente a fórmula de um cinema preciso e eficiente, sem arestas narrativas a serem aparadas – porém, sem grandes voos de linguagem –, estrelado por alguns dos atores mais competentes e carismáticos do país, com um roteiro a la Syd Field esculpido à perfeição, diálogos ágeis e uma dosagem harmoniosa entre o tom cômico e o dramático.

Como todo bom melodrama, seus filmes tratam de amor e afeto, geralmente encenados no âmbito familiar da classe que mais sofreu os efeitos da crise econômica argentina. Talvez seja esse o grande trunfo de Campanella: contar histórias universais a partir de uma geografia local e um olhar levemente crítico – por vezes nostálgico. Enquanto as pessoas vivem seus dramas individuais, o país aguenta o tranco de uma sucessão de dramas coletivos – ditadura, guerra das Malvinas, redemocratização, menemismo, crise econômica, globalização, estatizações.

Campanella se propõe claramente a narrar a trajetória cotidiana do homem contemporâneo de classe média em uma grande cidade latino-americana. Ainda que discuta certos temas com lucidez e criticidade, não é engajado ou panfletário. Não pretende projetar na tela tratados sobre a condição terceiro-mundista de que seu país faz parte, tampouco ocultar que conhece bem a fatia da sociedade retratada em seus filmes, à qual também pertence. Algo muito diferente do que vem sendo produzido na atual cinematografia brasileira, onde histórias centradas no ambiente familiar de classe média são tão raras quanto uma boa atuação da Sacha. Aqui, o costume é optar pelos extremos: dramas que descortinam a violência das favelas e a miséria do sertão, ou comédias televisivas que ridicularizam o patético da classe média – quando esta não é posta em xeque, como nos panfletos cáusticos de Sergio Bianchi.

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Entre a meia-dúzia de blockbusters sob a chancela da Globo Filmes e as dezenas de longas-metragens independentes, obscuros e mal-distribuídos, resta uma lacuna abissal no cinema brasileiro, que os vizinhos argentinos exportam hoje para o mundo com a valiosa assinatura de Juan José Campanella – é bom lembrar que Salve Geral, de Sergio Rezende, acabou não aparecendo na lista dos indicados ao Oscar deste ano. Se por um lado sobram produções de Daniel Filho, é evidente que faltam longas do nível de O Cheiro do Ralo, É Proibido Fumar, Estômago e Se Nada Mais Der Certo. E, quando surge algo tão sincero e competente quanto O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias, de Cao Hamburger, logo vem alguém dizer que parece "filme argentino", numa espécie de tímido elogio.