A literatura infantil e juvenil é escrita por adultos para crianças e jovens. Essa diferença, essa assimetria, acaba por determinar nas obras quase sempre a visão dos adultos sobre infância e juventude. Alguns autores chegam a afirmar que, ao escrever, procuram descobrir e descrever uma criança interior que permanece neles, apesar da passagem dos anos. De fato, contos e poemas são escritos segundo a imagem de infância e juventude construída pela perspectiva de escritores adultos, diversa mas equivocada por vezes.
Se os leitores são concebidos como seres em processo de instrução e de educação, a literatura ganha características didáticas e de ensinamento sobre hábitos, conhecimentos e comportamentos. Nessa circunstância, a literatura trata de hábitos saudáveis, de tradicionais valores familiares, da importância da escola, de informações sobre o mundo, de conteúdos escolares. Nela, prevalece a visão de textos úteis à aprendizagem e às convenções do viver social.
Se os leitores são entendidos como seres em formação, a literatura aborda com maior densidade sentimentos, dúvidas, interrogações. O resultado são os bons livros da literatura infantil e juvenil. Medos, afetos, a vida e a morte, as contradições da realidade e seus paradoxos constituem os temas específicos dessa linhagem de textos.
Se os leitores são considerados seres sensíveis à beleza, imaginativos, em processo de tomar consciência de sua humanidade, os textos ganham em beleza e poesia; são efetivamente literatura. Sem adjetivos para restringi-la. A literatura será a arte da palavra, que seduz e conquista leitores, até mesmo adultos.
Até o final do século 17 na Europa, as crianças não existiam enquanto individualidade, soterradas pelo mundo adulto. À medida, porém, que a criança e o jovem ganham destaque no tecido social, surgem os produtos criados exclusivamente para eles, como a literatura infantil e juvenil. Atualmente, ao crescimento da importância social desse público, acrescenta-se a urgente necessidade de formar leitores num país de tradição iletrada. Narrativas e poemas tornam-se moeda de troca com a tradição da cultura escrita e veículo para a manifestação da subjetividade. Esse fato aumenta a importância da literatura no crescimento intelectual de crianças e jovens.
Apresentada sob essas perspectivas, a literatura infantil e juvenil parece não encontrar obstáculos para o sucesso de leitura e vendas. Nada mais enganoso. Obstáculos se apresentam, imensos, preconceituosos. Entre eles, o descaso da sociedade com a leitura, o desprestígio da leitura e dos valores intelectuais, as baixas tiragens que elevam os preços dos livros no varejo, a má e desequilibrada distribuição do tempo de lazer entre as várias solicitações da sociedade do espetáculo (televisão, computador, jogos, celulares, festas, a rua e o shopping ocupam a maior parte do tempo disponível). O livro torna-se estigma de isolamento e esquisitice.
Do ponto de vista do consumo, a indústria do livro infantil e juvenil apresenta produtos sofisticados livros multicoloridos, com imagens que se projetam entre as páginas (os pop ups), em formato digital, capas atraentes, versões atualizadas. Tenta conquistar os leitores pelo tato e pela visualidade, em prejuízo, muitas vezes, do texto de qualidade. A linguagem torna-se banal, facilitada, sem poesia. Mesmo assim, os consumidores continuam arredios: o maior movimento das livrarias acontece na seção de CDs, DVDs e eletrônicos! O resultado não se faz esperar: o número de alfabetizados que não entendem o que lêem em textos simples, muito menos em livros, aumenta ano a ano. As crianças eventualmente leitoras tornam-se jovens habitualmente avessos a livros e à literatura.
No entanto, as estantes das bibliotecas e as gôndolas de livrarias continuam a oferecer o prazer e o maravilhamento de histórias e poemas que formam o espírito e os valores da cidadania, oferecem entendimentos diferenciados do mundo e do ser humano, unem a informação casual com a formação da sensibilidade, indicam modos de fugir à solidão e ao desamor, alimentam o imaginário e ajudam a amadurecer a identidade pessoal. Continuamos a falar de hábito de leitura (como se ela fosse apenas mecânica) quando o que precisamos é viver, e fazer as crianças e jovens viverem, a ousadia do imaginário e, acima de tudo, reconhecermos que nada substitui a leitura da literatura no cérebro, na alma, no prazer originado na beleza da palavra.
Marta Morais da Costa, crítica e ensaísta, autora de Mapa do Mundo: Crônicas Sobre Leitura (2006) e professora de Literatura Infantil do Mestrado e do Doutorado da UFPR.
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