Estranhamento na Semana Copi

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No palco, um homem de vestido bordô, barba espessa, voz oscilante entre o grave e o agudo, está decidido a se matar dentro da geladeira. A caminho do eletrodoméstico, porém, encontra um rato e começa a conversar com o bichano. "Nunca fiquei muito tempo com um rato. Não que eu fosse racista. É que nunca encontrei um rato que gostasse de mim mesma", diz.

A cena absurda, protagonizada pelo ator carioca Márcio Vito (de A Sobrancelha é o Bigode do Olho), é parte do monólogo A Geladeira, que abre a Semana Copi esta noite, às 21 horas, no Teatro Novelas Curitibanas.

Até domingo, o teatro será ocupado por eventos relacionados ao argentino Raúl Damonte Botana, conhecido como Copi, que nasceu em Buenos Aires em 1939 e morreu em Paris, em 1987, aos 48 anos. Escritor, dramaturgo e desenhista, Copi é um dos autores contemporâneos mais montados na França.

No Brasil, entretanto, o autor permanecia desconhecido até que o diretor francês Thomas Quilladert recebeu uma bolsa de pesquisa para divulgá-lo por aqui. Ele escolheu, para a empreitada, as cidades de Curitiba e Rio de Janeiro (no festival Rio Cena Contemporânea, que acontece este mês), com uma passagem antes pela Bahia.

A atração principal da semana são os monólogos A Geladeira e Loretta Strong, encenados em seqüência, como um só espetáculo. O primeiro é centrado em uma personagem de gênero indefinido, ao redor da qual gravitam outros personagens, todos interpretados por Márcio Vito.

"É mais que uma peça de um ator que faz todos os personagens, é a peça em que um personagem faz todos os personagens, fantasiando sua solidão", explica Quilladert. O pouco que se sabe desse protagonista é que ele está em um teatro. "Ele troca de personagens pelo prazer de fazer isso diante do público. É metateatro, jogo de palavras, sem psicologismo ou esquizofrenia", observa o diretor.

Não é um universo de fácil apreensão, nem mesmo para os atores. "Na primeira leitura há um estranhamento, essa sensação diminui depois da... quinta leitura", brinca Márcio Vito.

"O contato solitário com o universo do Copi já seria maravilhoso. Partilhar com pessoas que estão pensando arte é impagável", diz o ator, que interpretou o enfermeiro Jarbas nos capítulos finais da novela Paraíso Tropical. Uma dessas pessoas é veterana dos palcos curitibanos, a atriz Claudete Pereira Jorge, protagonista de Loretta Strong.

A intenção inicial do diretor francês era ter dois homens para encenar os monólogos, originalmente interpretados pelo próprio Copi. Cansado de procurar um ator para a segunda parte – até porque não conhecia muitos atores brasileiros –, Quilladert optou por uma atriz. "Esse texto falado por uma mulher é bem mais interessante do que por um homem", comenta.

Loretta... é uma metáfora ao exílio de Copi, obrigado pelas atividades políticas do pai a se refugiar no Uruguai, Haiti, Estados Unidos e, definitivamente, na França. A personagem também foge – da Terra para outro planeta, Betelgeus, onde planeja semear ouro e disseminar a raça humana. "É uma loucura verbal, pelo prazer de falar", diz Quilladert .

Outros dois textos de Copi serão apresentados nas leituras dramáticas conduzidas por diretores paranaenses da Companhia Brasileira de Teatro. Márcio Abreu comanda a leitura de Eva Perón, no sábado, às 16 horas, e Giovana Soar dirige O Homossexual ou A Dificuldade de se Expressar, domingo, no mesmo horário.

A programação é completada pelo lançamento do livro A Geladeira, Loretta Strong e Eva Perón, com os textos traduzidos, e pela exposição Um Dia, uma Criança que não Existia…, que revela a faceta gráfica de Copi, com 30 desenhos de sua autoria.