Os destinos de Gabriel García Márquez, 83 anos, e o de Mario Vargas Llosa, 74, têm, realmente, muitos pontos de contato. Ambos nasceram no mesmo continente. Marquéz (Cem Anos de Solidão) é colombiano e Llosa (A Festa do Bode), peruano. Os dois escreveram os seus nomes na História devido ao gosto pela palavra escrita. Desde 1982, Gabo (como Márquez é conhecido) se diferenciava por ter vencido o Prêmio Nobel de Literatura. Mas, na última quinta-feira (9), Llosa também foi reconhecido pela Academia Sueca.
Os dois escritores, além de obras literárias, sempre mantiveram contato com a atividade jornalística. Foram amigos, daqueles que trocam segredos e compartilham horas entre sorrisos e troca de gentilezas. Até a década de 1970, havia outras idiossincrasias que faziam deles unha e carne. Eram entusiastas da Revolução Cubana.
Mas o mundo, esse moinho que jamais para, fez com que eles entrassem em rota de colisão. O rompimento da amizade entre Llosa e Márquez tem mais versões do que fatos reais, uma vez que os dois envolvidos não se pronunciam a respeito do motivo da discórdia.
A versão mais difundida contém elementos folhetinescos e reza que Márquez teria tentado seduzir Patrícia, a segunda esposa de Llosa, durante o período no qual o casal estava momentaneamente separado.
Há mais lenha nessa fogueira: Márquez, no intuito de levar Patrícia para a cama, teria dito a ela que Llosa seria um adúltero contumaz. Se Patrícia se deitou, ou não, com Gabo, o fato é que, tempos depois, o casal reatou a relação. E, no saguão de um cinema, Llosa teria desferido um soco em Márquez.
Lenda ou não, essa é a história que se propagou e é repetida quando entra em questão o afastamento dos dois ex-amigos.
Nunca mais
Nos anos 1970, Márquez flerta, cada vez mais, com o que se chamou de "esquerda", mantendo-se alinhado com as ideias de Fidel Castro, o que Llosa passou a repudiar. A então nova postura do escritor peruano pode ser comprovada pela leitura da hoje famosa "Carta a Fidel Castro", endereçada ao líder cubano em 1971. Na ocasião, havia rumores de que, em Cuba, intelectuais estariam sofrendo censura e, mais que isso, teriam assinado confissão sob tortura.
De Paris, Llosa encaminhou um recado a Fidel, assinado por ele e por outros escritores e, em determinado trecho, o desencanto com o sonho cubano é explítico: "Com a mesma veemência que temos defendido desde o primeiro dia a Revolução Cubana, que nos parecia exemplar em seu respeito ao ser humano e na luta pela sua libertação, vimos aqui exortá-la a evitar, em Cuba, o obscurantismo dogmático, a xenofobia cultural e o sistema repressivo imposto pelo stalinismo nos países socialistas, e do qual foram manifestações claras acontecimentos semelhantes aos que estão acontecendo em Cuba".
No entanto, como observa o professor de Língua Espanhola da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Félix Miranda, as ideias políticas e declarações dos dois autores não contaminaram os textos, nem nas entrelinhas, das obras que Márquez e Llosa escreveram durante a passagem do tempo. "O que eles falaram foi mais para chamar a atenção. A poética desses dois autores não se contaminou pela ideologia", afirma Miranda.
Desafetos, Márquez, autor de enredos "mais delirantes", e Llosa, escritor de romances históricos, apesar das diferenças, nunca deixaram de tratar do amor e das sensações que somente o contato com a pessoa amada pode despertar.
Acima de tudo, são hoje os dois últimos representantes do chamado boom da literatura latino-americana, que começou a seduzir todo o mundo a partir da década de 1960.