Coachella é um festival de música que rola todo ano, desde 1999, no campo de polo de Empire, cidade de Indio, em pleno deserto, no interior da Califórnia. Este não é um texto que se pretende crítico, é mais um relato do que vivemos, eu e dois grandes amigos, o ator Guilherme Weber e o diretor Felipe Hirsch, durante o segundo fim de semana da edição 2015 do festival.
La Quinta é uma cidadezinha hoteleira, entre Indio e Indian Wells, e costumava ser o lugar em que o diretor americano Frank Capra se refugiava para trabalhar em seus roteiros. Capra foi o cineasta que melhor traduziu, na era de ouro do cinema, o que conhecemos como “sonho americano”. Um de e seus filmes mais famosos é “Felicidade não se compra”, que narra a história de um candidato a anjo que salva a vida de um empresário falido à beira do suicídio, convencendo-o de sua importância na vida de pessoas que ele nem imaginava. Pois um convite incrível do Felipe, me levou a aportar neste exato lugar, no dia 12 de abril de 2015. No dia seguinte, ali perto, começava a bagaça.
Sexta-feira: Chegamos cedo, 11h30. Nosso plano era almoçar antes da maratona de shows, mas logo na caminhada de reconhecimento do local, nos deparamos com a primeira apresentação surpreendente do festival: Sean Lennon, filho do homem, fazia um show agradabilíssimo no outdoor stage.
- Começou bem!, confabulamos.
Ficamos por ali até o fim do show, então saímos em busca do primeiro de uma série de hambúrgueres que nos alimentariam durante os três dias.
Barriga cheia, passadinha no palco principal para assistir Vic Mensa. Aposta de Kanye West como próximo astro do hip-hop, Mensa fez um show divertido, com destaque para a “dope song” Cocoa Butter Kisses, parceria sua com Chance The Rapper. Logo depois, corremos para a tenda Mojave, onde já começava a tocar a clássica banda de rockabilly Reverend Horton Heat. Sinceramente, em Curitiba existem pelo menos cinco bandas melhores do mesmo estilo. Voltamos ao palco principal e levamos a primeira porrada na cachola do dia: Charles Bradley deu espetáculo absolutamente emocionante. Acompanhado de uma competente banda de jovens músicos, o soul-man estava totalmente entregue e até exagerando um pouco a dose de seu sex appeal septuagenário. Só parou quando a organização do festival cortou o sistema de som, sob protesto da plateia.
Tudo bem, os caras de Coachella prezam muito essa parada de pontualidade, e dali a pouco, no mesmo palco, entrava Azaelia Banks, que não deixou a peteca cair. Energética e competente, mandou seu hip-hop dançante acompanhada de uma banda precisa e cheia de swing. Escapei na metade do show de Azaelia para ver um clássico irrecusável. Talvez o show que mais criei expectativas nos últimos meses: o Ride, reis do shoegaze, ídolos de boa parte de uma geração histórica de guitar rockers do Jardim das Américas, haviam voltado e se apresentariam em Coachella, uau! Qual nada, os caras fizeram um show morno, som ruim e guitarras baixas.
– Pô, Mas logo as guitarras, Andy Bell!
Então, my friend, se você gostar de música e seus amigos e amigas compartilharem o mesmo gosto, faça o possível para estar, pelo menos uma vez na vida, em sua companhia em um festival de música
Meio cabisbaixo, voltei ao palco principal para reencontrar meus amigos. Mas aí a parada ficou séria: Começava o melhor show do primeiro dia: The War on Drugs. A banda de Philadelphia destruiu, mandando, quase na íntegra, o álbum Lost in Dream – um dos melhores discos de 2014 e o primeiro depois da saída de Kurt Vile da banda. Adam Granduciel assumiu o controle criativo, e seu vocal “dylanesco”e sua guitarra pós-punk criaram um conjunto hipnotizante e original. Showzaço!
Seguimos para o palco Outdoor, onde os Alabama Shakes retomaram o clima Soul de Charles Bradley num show ótimo. – Impressionante como eles melhoraram!, bradou Felipe, que já tinha visto outros shows dos caras que, segundo ele, não tinham sido tão legais.
Logo após, no mesmo palco, assistimos o clássico Steely Dan. Com suas músicas de mil acordes e uma banda enorme, precisa e virtuosa, fez a alegria de milhares de tiozinhos presentes. Mas não só deles, várias menininhas e garotos dançando e cantando todas as músicas, muito massa! Na tenda Gobi, já estávamos meio cansados e sentamos para esperar o Todd Terje. Ali conhecemos um simpático jovem casal de Dallas. A Erika e o Basil (acho que era esse o nome dele) tinham vindo do Texas especialmente para ver o sueco com suas músicas de motel divertidíssimas. Eles adoraram, nós também. No fim do show, “populares” invadiram o palco e fizeram uma espécie de flash mob coreografada. Na tenda Mojave, o DJ e Rapper californiano Flying Lotus fez, na minha opinião, o segundo melhor show da sexta-feira. Com cenário tridimensional e projeções futuristas e a presença de um ator fantasiado de Morte, com capa e foice, circulando pelo palco. o show terminou em clima de festa, com um casal sensacional de dançarinos mirins arrancando urros dos presentes.
Voltamos à tenda Gobi para ver Squarepusher, pseudônimo do multi-instrumentista, DJ e mestre do drum’n bass, jazz e música eletroacústica inglês, Tom Jenkinson. Mais porrada nos ouvidos! O cara fez um show visual e pesadaço, ficando até difícil permanecer na frente do palco, tamanha a potência nos graves. Estava tarde, estávamos cansados e o AC/DC já tinha começado seu show no palco principal. Vi um pouco de longe, pareciam empolgados, mas toda vez que escuto de passagem os acordes de TNT ou Highway to Hell, lembro, sem nenhuma nostalgia daqueles caras violentos que me perseguiam implacavelmente pelas ruas de Pinhais em meados dos anos 80. Viramos as costas e voltamos para La Quinta.
Sábado: Circular sob o sol do meio dia, no deserto, atrás de algo para comer definitivamente não é boa idéia. Isso, somado ao cansaço acumulado do dia anterior talvez tenha contribuído para que sábado fosse um dia estranho para mim. Coincidentemente, foi o dia que mais vimos shows ruins. Os ingleses do Royal Blood, o interessante DJ Gramatik e os hypados alemães do Milky Chance foram, cada um em seu estilo, horrorosos. O primeiro sopro de esperança veio do Perfume Genious, no palco Outdoor. As músicas são excelentes e melancólicas, o cara canta pacas, mas confesso: “deu um ruim” ver o batom do vocalista derreter no calor do deserto.
Mas eis que, dos confins do Alabama, chegou a turma que nos tiraria do buraco: as sete peças do St Paul & the Broken Bones sacudiram a tenda Mojave com soul music da melhor qualidade. O vocalista Paul Jenaway é um monstro ao vivo, e quase desbancou o velho Bradley como melhor performance vocal do festival. Novamente animados, vimos o novato Benjamin Booker numa das apresentações mais interessantes do dia. Misturando blues roots com punk rock barulhento, sua voz gutural e performance intimista formam um conjunto original.
Na Gobi, antes do Run The Jewels, reencontramos nosso amigos de Dallas. Erika me contou, com aquele sotaque característico e falando muito mais rápido do que podíamos entender, que já havia assistido a 7 (!) shows da dupla de Mc’s, e que era “amazing” (escutamos muito essa palavra nos três dias). Constatamos realmente que os caras são demais ao vivo. Conquistaram 100% da plateia. No telão, lá pela penúltima música, vi que o Basil havia conseguido, sabe-se lá como, atravessar toda a confusão e estava grudado na cerca, ensandecido. Érika ainda estava perto de nós, cantando todas, sorrindo ao vê-lo. Saímos dali para pegar uma parte do Father John Misty, o cara tem voz, sabe compor, mas eu não topo com esse Joshua Tillmann (nome verdaderio do Father) desde que era do Fleet Foxes. Tudo bem, tem quem goste, e não sendo nenhum novato, Tillman sabe agradar seu público.
Mais aí chegou o chefe: Jack White botou o sabadão no bolso. Minha vontade era comentar o set list inteiro, mas esse texto ia virar um catatau (já virou?). Ele misturou, em ritmo de Jam Session, alterando os arranjos originais com sua banda estupidamente boa, cancões de seu ultimo disco e sucessos de suas outras bandas, como o White Stripes e o Racounteurs. O show foi isto: A Violinista da banda era violenta; o batera e o baixista, monstros; o tecladista sensacional. Three Woman me catou, Steady as She Goes me nocauteou e Seven Nation Army me arrastou para fora do ringue, enquanto os fãs de Weeknd já se acotovelavam para pegar os melhores lugares na frente do palco principal
Meio desnorteados, saímos para o Mojave. SBTRKT já tinha começado. A tenda estava cheia de malucos viajando na música eletrônica de altíssima qualidade do cara. O Felipe queria muito ver o Swans, que começou depois da meia noite na tenda ao lado. Lendas do No Wave oitentista de Nova York, os caras se reuniram e lançaram dois dos mais aclamados álbuns dos últimos tempos. Eu não entendo muito disso, depois de 8 minutos vendo os caras “pirando no mizão”, eu e Guilherme saímos, comprei uma camiseta do Run the Jewels e catamos o busão para La Quinta.
Domingo. Felipe e eu chegamos mais cedo, queríamos aproveitar ao máximo o último dia. Guilherme estava quebradaço e nos encontrou mais tarde. Fui com a camiseta do RtJ, o que me rendeu algumas saudações entusiasmadas, até do pessoal do Staff. Almoçamos o mesmo hambúrguer e a Haley, que trabalhava na barraca, estranhou – E aí, caras, cadê o Gui? Felipe me contou que o último dia é sempre meio melancólico para ele, que já é marinheiro de terceira viagem. Eu, novato, ainda estava mais feliz que pinto no lixo. Começamos o dia muito bem com a Angel Olsen no Gobi. Ela começou o show dizendo-se gripada e se desculpando por isso. Sua voz não parecia prejudicada, o show estava ótimo e, irônica, brincava com a plateia: – Vocês estão cheirosos? Já vomitaram hoje?
Passamos para o Mojave e assistimos, junto com alguns punks velhos, ao show de uma lenda do hardcore californiano: o OFF!. Os caras fizeram a festa e um pogo vespertino e semigeriátrico comeu solto. No mesmo palco, Panda Bear entrou em seguida e fez, na minha opinião, um dos melhores shows do festival. O ex-integrante do Animal Collective se apresentou em um palanquinho montado bem no meio do palco com apenas seu teclado, um módulo de controle de sinths e um microfone. Numa espécie de Kraftwerk de um homem só, as projeções encaixavam-se perfeitamente nas batidas de suas canções hipnóticas e muito bem cantadas sobre arranjos eletrônicos bem construídos. A plateia delirava e ele só deixou o palco quando o staff o arrancou dele, literalmente, arrastando-o com palanquinho e tudo. Voltamos ao Gobi para a revelação do country-rock Sturgill Simpson. Dancei pacas, adorei, mas o Felipe estava cansado e assistiu ao ótimo show sentado, o que é muito agradável nas tendas no começo da tarde, e ainda nos poupa do sol escaldante dessas horas. Seguimos com o ótimo ‘eletrnico’ de John Talabot, na tenda Yuma, onde encontramos pela última vez nosso simpático casal texano. Érika me disse que chorou ao ver o Kanye West participando do show do Weeknd no dia anterior. Não vimos, pena.
Chegamos no palco Outdoor, para assistir outra revelação do country pop: Jenny Lewis. Um lixo, parecia o Xou da Xuxa no meio do deserto. Só serviu para garantimos lugar bem na frente para assistir o show arrebatador e tristonho de Ryan Adams. Reencontramos o Gui e permanecemos no mesmo lugar para o show que viria logo a seguir: A “gênia” Anne Clark, mais conhecida pelo pseudônimo St. Vincent, fez um show perfeito. Inteiramente coreografado e privilegiando as canções de seu último disco (o melhor de sua carreira), a cantora e guitarrista provocava a plateia, chamando quem permaneceu até aquela hora de domingo para vê-la de “bravos freaks”. Aliás, freak e espetacular é a maneira com que essa mulher toca guitarra!
Florence & the machine já havia começado no palco principal, aclamada na semana anterior pela Rolling Stone como melhor show do primeiro fim de semana do festival. Parece que foi tão bom que ela quebrou o pé durante aquela apresentação e teve que fazer essa bem mais curta e sentada em uma banqueta. O show foi legal mesmo assim, e nem a participação totalmente equivocada de Father John Misty cantando Love Hurts, sucesso clássico dos Everly Brothers, mais conhecida na versão do Nazareth, conseguiu decepcionar os fãs da cantora britânica.
O festival estava no fim, e aquele sentimento de melancolia que o Felipe mencionou, foi me pegando. Nem consegui pensar direito enquanto assistia o eletrônico Gesaffelstein, na última passagem pelo meu palco predileto, o Mojave. Drake era promessa de show grandioso para fechar Coachella 2015, na primeira semana, teve participacão especial de nada menos que Madonna. Malhado pela crítica, o rapper canadense prometia um show de arrebentar. Mas não foi bem assim, tocou poucas canções de seu melhor álbum, o triste “If you are reading this it’s too late”. Modificou (para pior) os arranjos e meteu uma inexplicável montanha com caverna esfumaçante no meio do palco. Pieguice de um milhão de dólares. Pra completar a pataquada, participacão de Nicky Minaj, que “fez a loka” e entrou no palco, saindo sem cantar uma palavra. Não curti, mas meus amigos acharam legal, então tá tudo certo.
Assim sendo, seguimos para La Quinta pela última vez. Impossível deixar de pensar, neste momento, que esta experiência definitivamente não teria sido a mesma sem a companhia desse dois caras incríveis que tenho a grande sorte de chamar de amigos. Festivais de musica são isso, um lugar para se estar com eles. Lembro que o título do meu filme preferido do Frank Capra é Do mundo nada se leva.
Então, my friend, se você gostar de música e seus amigos e amigas compartilharem o mesmo gosto, faça o possível para estar, pelo menos uma vez na vida, em sua companhia em um festival de música. Não precisa ser em Coachella, pode ser qualquer um. Vá!
* Caio Marques é músico, formado em letras e especialista em filosofia da arte pela UFPR
Top 3
Guilherme: War on Drugs, Charles Bradley, Todd Terje
Caio: War on Drugs, Flying Lotus, Alabama Shakes
Felipe: Squarepusher,Steely Dan, Sylvan Esso,War on Drugs, Alabama Shakes
Guilherme: Jack White, St. Paul & The Broken Bones, Benjamin Booker
Caio: Run The Jewels, Jack White e Benjamin Booker
Felipe: Jack White, Swans, Benjamin Booker, SBTRKT, Run the Jewels
Guilherme: St. Vincent, Ryan Adams e Florence + the machine
Caio: St. Vincent, Panda Bear e Sturgill Simpson
Felipe: Panda Bear, St. Vincent, Florence + the Machine, Gesaffelstein, Drake.
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