A crise europeia pode fechar muitas portas, mas não cala todas as vozes. Sobretudo uma voz sem muitos pudores que há anos usa o cinema como forma de representação para questões sociais. Dois anos após o lançamento de seu último longa-metragem, o inglês Mike Leigh se prepara para rodar um novo filme, uma biografia do pintor William Turner (1775-1851). Será seu retorno ao cinema, bem em meio a mudanças na política de financiamento na Inglaterra, à crise na Europa e a uma polêmica das grandes em que foi envolvido.
A confusão começou no início do ano, quando o primeiro-ministro inglês, David Cameron, anunciou mudanças no financiamento público à produção de filmes no Reino Unido. Hoje, o principal mecanismo de investimento no cinema independente inglês é um fundo criado em 2000 e alimentado por lucros de uma loteria federal. A escolha dos contemplados pelo fundo sempre partiu da qualidade dos projetos. Cameron, porém, mudou a regra: a escolha, agora, deve priorizar obras com potencial de bilheteria, sob a justificativa de tornar o cinema inglês mais competitivo no mundo.
Uma frase atribuída a um profissional não identificado do mercado, publicada pelos jornais, resumia o sentimento da classe: "Com isso, a carreira de Mike Leigh estará acabada." Na época, importantes diretores como Ken Loach foram a público protestar. Mike Leigh se calou. Mas não por muito tempo.
"Temos na Inglaterra um governo de direita que não se preocupa em proteger as artes. David Cameron faz um dos piores governos em muito tempo, é caótico. Não tem ideia do que está fazendo, assume posições limitadas sobre o que representa uma sociedade e sobre aquilo de que esta sociedade precisa. E as artes não estão entre suas prioridades" diz Leigh, em entrevista por telefone, de seu escritório, em Londres.
Não só sua voz está ativa, como a carreira de Leigh está longe de ter acabado. O diretor, acostumado a rodar histórias simples e realistas que na maioria das vezes giram em torno dos problemas sociais da Inglaterra, trabalha há alguns anos num projeto um tanto diferente, e mais grandioso. Sem revelar de onde virá o financiamento, ele já deu início à pré-produção de um filme sobre Turner, pintor romântico inglês do início do século XIX, célebre por suas telas de paisagens. Porém, Leigh afirma, não se trata de uma mudança de rumo.
"Às vezes não é preciso ser direto para tratar dos temas sociais que estão em voga no mundo. Como artista, tenho a responsabilidade de lidar com os problemas da sociedade e vou continuar fazendo isso", afirma. "O problema do cinema é sempre a questão de fechar as contas, ainda mais nesta época de crise e falta de financiamento."
O último longa de Leigh foi Another Year, lançado no Festival de Cannes de 2010. A trama tem uma história extremamente corriqueira, que poucos diretores conseguiriam transformar em cinema: a rotina de um casal de idosos ao longo de um ano. Só que Another Year, infelizmente, nunca estreou no Brasil.
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