Quando os assuntos são garrafas e literatura, não é falso afirmar que F. Scott Fitzgerald é um dos casos extremos. O autor de O Grande Gatsby foi um homem de seu tempo, os chamados "anos loucos", como ficou conhecida a década de 20: festas, viagens e muita bebedeira entre Paris, Londres e Nova York.
Os dias de "vinho e rosas", porém, sempre acabam cobrando seu preço e, na década seguinte, os hábitos livres de Fitzgerald desandaram, como de costume, num brutal alcoolismo que corroeu sua saúde, sistema nervoso e produção. Isto, claro, é uma simplificação da vida do grande autor e, neste caso, é melhor ficar com o resumo que ele próprio escreveu: "Depois bebi durante muitos anos, e aí morri."
Famoso tanto por seus grandiosos porres públicos, quanto por sua prosa irretocavelmente elegante, o autor acaba de ter lançada no Brasil, pela coleção Má Companhia, a antologia Pileques, que reúne ensaios, cartas e aforismos do autor.
Ao contrário do que a apresentação do livro na capa e contracapa faz parecer, não se trata de uma apologia divertida aos gloriosos dias de bebedeira. Mesmo que alguns textos evoquem, com humor, os dias ébrios da vida do autor.
No conjunto, o livro é a crônica angustiada de um escritor que vê seu talento escorrendo pelas mãos, enquanto olha a autodestruição simultânea de seu corpo e mente.
Como o humor de um alcoólatra, os textos oscilam entre a graça característica da prosa de Fitzgerald, em especial, no primeiro capítulo de frases e anotações: "Duas garrafas marrons de vinho do Porto apareceram adiante, ganharam rótulos brancos, transformaram-se em freiras engomadas e nos cauterizaram com olhos santos quando passamos."
Em geral, contudo, os registros são mais sombrios e desesperados: "Primeiro você toma um drinque, então um drinque toma um drinque, e aí o drinque toma você", anotou o escritor com conhecimento de causa. Ou, ainda, de profunda melancolia: "(...) numa noite escura da alma é sempre três horas da madrugada, dia após dia."
O grande destaque da antologia é um capítulo de textos curtos chamado "Acompanhe o Sr. e a Sra. F. até o Quarto Número...", sobre a passagem de Scott e sua esposa, a também escritora Zelda, pelos hotéis aristocratas em que se hospedaram.
A seleção de textos inclui também o célebre ensaio "O Colapso Nervoso", em que Fitzgerald relata com crueza os seus piores momentos de bloqueio criativo e confusão mental, após décadas de excessos.
Por fim, este pequeno livreto é hábil em mostrar o aspecto humano e perigoso de vida de um artista extraordinário, e também serve como testemunho de uma era que, à distância de quase um século, continua dotada de um charme irresistível.