Intercâmbio
Autor será apresentado aos franceses
A literatura de Paulo Leminski ainda não foi traduzida para o francês. É uma questão de tempo. O contato da Companhia Brasileira de Teatro com a Compagnie Jackart (inaugurado no projeto Copi, de 2007, e aprofundado em agosto durante o Fórum Teatral França/Brasil) apresentou o autor curitibano ao diretor francês Thomas Quillardet. E este, em seguida, sugeriu com sucesso o nome do brasileiro à Maison de La Poésie uma casa acostumada a abrir espaço para autores desconhecidos de diferentes cantos do mundo.
O Sábado Paulo Leminski foi agendado para 20 de fevereiro próximo, em Paris. No evento, as duas companhias a francesa e a brasileira apresentarão uma performance bilíngue com textos de Leminski. E Áurea, a filha do poeta morto há 20 anos, participará de um sarau no bar do teatro, onde os escritos de seu pai serão alvo de leituras críticas e dramáticas.
Em ação
O trabalho de apresentação de Leminski aos franceses começou antes, em novembro, com oficinas de artes cênicas para estudantes de lá e o início dos esforços para traduzir suas crônicas, ensaios e 50 poemas. (LR)
Tão logo a Companhia Brasileira de Teatro abriu sua sede curitibana em setembro do ano passado, o diretor Márcio Abreu e as atrizes Giovana Soar e Nadja Naira se puseram a folhear a obra de Paulo Leminski, pensando no espetáculo que estreariam em 2010, incentivado pela Petrobras. Seu ponto de partida era Vida: uma compilação de biografias de Jesus Cristo, Trótski e dos poetas Matsuo Bashô e Cruz e Souza. Não tinham ideia do quanto aproveitariam daqueles escritos, se as quatro trajetórias ou apenas uma inspiração.
Mais de um ano de trabalho depois, a peça Vida entrou na etapa de ensaios e se definiu como uma dramaturgia original, mas "contaminada" pelo espírito provocativo do poeta paranaense e pelos assuntos que lhe interessavam a cidade, o exílio e as transformações (inclusive físicas) acarretadas pelo contato com outras pessoas. A estreia está assegurada para março do próximo ano durante o Festival de Curitiba, no Teatro José Maria Santos, que abre uma exceção recebendo um espetáculo da Mostra Contemporânea.
Até o momento, são as negativas que melhor descrevem o projeto. "Não vai ser uma adaptação de um texto do Leminski. Nem de Agora É Que São Elas nem de Vida nem de um poema", diz Nadja. Catatau, ditando o fluxo (nem fragmentado nem uma história completa), deve estar mais presente na encenação, em que as duas mulheres da companhia contracenam com os atores Ranieri Gonzales e Rodrigo Ferrarini. O quarteto terá ainda a companhia, no palco, de André Abujamra, que assina a trilha sonora.
Do livro homônimo, o que resiste é o olhar sensível para as biografias. Os personagens biografados, porém, são outros. Chamam-se Nadja, Ranieri, Rodrigo e Giovana, como seus intérpretes, e guardam mais semelhanças, uma vez que os atores investiram "coisas pessoais" na composição "Criamos cenas muito íntimas", diz Ranieri. Ao mesmo tempo, não deixam de ser estranhos a eles. E "curitibanos": "Eles são de fora, mas são daqui. Como Paulo [Leminski], que se sentia meio exilado e meio preso neste lugar", compara Nadja.
Filosofia ordinária
O texto de Vida não está pronto ainda: há um roteiro de três horas pedindo para ser editado e dez cenas já elaboradas, a partir de exercícios e situações despertadas pela leitura de Leminski. "Temos desde diálogos bem ordinários, que falam do clima, a mais filosofados", conta Nadja. O grupo busca equilíbrar esses opostos.
Na ausência do diretor Márcio Abreu, em viagem à França (leia o quadro ao lado), Ranieri, Nadja e Giovana tateiam ao tentar explicar mais claramente o espetáculo que contróem. "Caótico, dramático, político", diz ele. "Esquisito, meio extremos", sugere, sobre os personagens, a iluminadora Nadja. "Está mais a cara da Companhia Brasileira do que do Leminski", acrescenta Giovana.
A "esquisitice" dos personagens entra no jogo para que o cotidiano ganhe eco e seja percebido como se visto por uma lente de aumento, com suas distorções. A personagem de Nadja, por exemplo, praticamente não fala, mas quando finalmente o faz, é uma avalanche. O Ranieri fictício só canta uma música a vida inteira, um lamento sem letra.
Exilados, estranhos e musicais: os quatro se encontram com a desculpa de formar uma banda. Assim sendo, os atores se viram para dar conta de cantar, dançar e tocar. Já até brincam que o nome do grupo vai mudar: "Companhia Brasileira de Dança... Companhia Brasileira de Sapateado...".
Marco
A expectativa ao redor de Vida está menos relacionada ao fato de estrear sob a pressão do festival (quando as atenções da imprensa nacional se voltam a Curitiba), do que ao significado que a peça possa adquirir na trajetória do grupo: um marco de amadurecimento.
"Talvez passemos para outro estágio de criação na companhia, pelo patrocínio da Petrobras [nos últimos dois anos], por poder fazer um ano e meio de pesquisa, por trabalharmos com pessoas que já conhecemos, com preparação vocal e o Abujamra na trilha...", lista Giovana. "O resultado desta peça pode ser que eu esteja enganada vai ser diferente."
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