Vídeo:| Foto: RPC TV

Ceará e Espanha

Este ano, a programação do FIT – São José do Rio Preto traz oito atrações internacionais e 18 nacionais, além das peças direcionadas ao público infantil e das performances realizadas no Não-Lugar, o ponto de encontro do festival no fim da noite. O fim de semana teve também a apresentação do Grupo Bagaceira de Teatro, do Ceará, com a peça Lesados, que trouxe ao palco boas idéias sobre a inércia e as limitações humanas ainda mal resolvidas dramaturgicamente; e a espanhola Medea, que encena o mito grego de Jasão e Medéia da perspectiva feminina, uma das montagens mais convencionais da programação.

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São José do Rio Preto (SP) – O corpo seleto de espetáculos e as distâncias entre os espaços cênicos não permitem que São José do Rio Preto seja tomada pela atmosfera teatral como ocorre durante alguns dias de março em Curitiba. Mas o Festival Internacional de Teatro da cidade, que começou no último dia 9 e se estende até o próximo sábado (21), tem outras artimanhas para conquistar os amantes da encenação: senso crítico e ousadia.

Sob o tema "impermanência", a edição 2007 se volta aos processos de investigação e à busca de novas linguagens, convidando companhias interessadas em experimentações. A reportagem do Caderno G acompanhou a programação do primeiro fim de semana do festival e conferiu como as apostas deste ano se saíram no palco (mesmo quando ele não existe).

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O primeiro espetáculo a impressionar público e crítica é uma representação certeira dessas rupturas com o teatro tradicional. O grupo holandês Compagnie Dakar, dirigido por Lotte van der Berg, realizou o feito de, sem pronunciar uma única palavra, pôr a platéia estupefata com suas apresentações mais que intrigantes de Braakland. O espetáculo não tem lugar definido no guia, parte de um ponto de encontro para uma viagem de ônibus, seguida por uma caminhada até um lugar secreto. A ausência de um palco é trivial frente à mudança que se experimenta na relação do público com o ambiente do teatro (compare aos rituais de uma ida ao Guaíra ou mesmo a uma peça de rua no Largo da Ordem), já que a montagem furta do espectador até a noção geográfica.

A trama é outra ruptura. Uma sucessão de não-acontecimentos (pontuados por poucas ações decisivas), que parece estender o tempo e concede ao espectador, sentado em uma arquibancada no meio do nada, uma consciência mais nítida do ritual teatral – da sua percepção como platéia inclusive. Em vez de sugar a atenção para o "palco", a encenação a deixa livre para se voltar ao entorno, à arquibancada ou aos 180 graus de "palco".

A extensão do espaço utilizado na montagem, que em muito ultrapassa o campo de visão humano, obriga o público a fazer escolhas visuais e faz com que cada um desenvolva sua própria narrativa. Tudo isso surte o efeito de reapresentar o olhar do espectador a temas essenciais: vida, sexo, violência e morte.

Física quântica

Entre as atrações nacionais, o destaque ficou por conta da montagem carioca Tempo.Depois. À maneira vista em Curitiba em Os Leões (Armadilha Cia de Teatro), a narrativa escrita por Rodrigo Nogueira flerta com a subversão da lógica. A primeira impressão é de que se trata de uma comédia de costumes hiper-realista, em que a qualidade surge do ótimo texto e da atenção com os detalhes – gestos, trejeitos e prosódia absolutamente verossímeis, além da ambientação que aproxima o público –, que revelam um processo de criação cuidadoso do cenário aos ensaios.

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Contudo, tão logo o personagem interpretado por Rodrigo (que contracena com a atriz Fernanda Féliz) comece a versar sobre física quântica, os princípios da ciência passam a se aplicar ao próprio espetáculo, desmontando toda a lógica e o realismo concebidos até ali. A noção de que o átomo é matéria e energia ao mesmo tempo (e, portanto, de que algo pode ser duas coisas simultaneamente) ou a constatação de que tudo o que falamos nada mais é do que uma lista muito limitada de palavras que cada um organiza em uma ordem diferente – reforçados por humor inteligente e incontáveis referências que vão de David Lynch (Cidade dos Sonhos) a Orson Welles (Cidadão Kane) – criam uma peça que mais do que fazer rir, suscita diversas reflexões e discussões.

A repórter viajou a convite do festival.