Preferências Nacionais
Clássicos brasileiros Machado de Assis está entre os escritores preferidos de César Aira, que considera a literatura brasileira a mais completa da América Latina já que possui grandes romancistas, dramaturgos e poetas. Guimarães Rosa é considerado também um gigante, "desses que com seu peso podem esmagar a literatura", nas palavras do escritor.
Contemporâneos César Aira não lê muito seus contemporâneos, mas destaca três autores brasileiros que o conquistaram: Sérgio SantAnna (Aira assina a tradução ao espanhol de Um Crime Delicado), João Gilberto Noll e Nelson Rodrigues, "uma descoberta tardia".
O compositor John Cage dizia haver um critério bastante simples para determinar suas preferências de leitura: gostava daquilo que não entendia. Caso entendesse, abandonava o livro, desiludido. A história é lembrada pelo escritor argentino César Aira, em entrevista concedida ao Caderno G. Esse estranhamento com a literatura pode fornecer chaves para a compreensão da obra de Aira, uma escrita labiríntica que se apropria de elementos como o nonsense e a distorção da realidade. O escritor esteve na última quarta-feira em Curitiba, para o lançamento da coletânea de crônicas e artigos Pequeno Manual de Procedimentos, lançado pela Arte & Letra. Confira alguns trechos da entrevista:
Caderno G Em um dos artigos de Pequeno Manual você afirma que, assim como são raros os grandes escritores, os grandes leitores também o são. Quais seriam as características dos bons leitores?
César Aira Borges dizia que os leitores se tornaram cada vez mais raros porque todos querem escrever. A leitura se tornou utilitária, as pessoas lêem para aprender como se escreve. Talvez o melhor leitor de todos seja a criança, que lê somente para se deixar levar pelo sonho. Costumo recomendar a leitores jovens que não leiam somente por curiosidade. Para mim, o melhor é ler, por exemplo, O Castelo, de Kafka, e depois todos os outros romances de Kafka, os contos, os diários, as cartas, uma biografia... tudo de Kafka. Sempre achei os autores e todos os mitos que os rodeiam mais interessantes do que seus livros.
Quando o leitor se torna escritor?
É gradativo. Assim como as crianças que brincam com carrinhos querem ter um carro de verdade, eu lia livros de aventura e queria escrever, também. Sou escritor porque sou leitor. Nunca tive uma experiência de vida para transmitir. A minha vida foi de leitor, de intelectual, uma vida fechada de pequeno burguês. Sou leitor de um livro por dia, leio muito. É praticamente a única coisa que faço. Meu favorito, entre meus favoritos, é Proust. Só que já não posso reler Proust, porque tenho o problema de ter uma ótima memória. Chega um momento em que você já sabe tudo (risos).
A literatura é um espaço de resistência em um mundo que se tornou demasiado complexo?
Sem dúvida, a literatura e a arte em geral são uma forma de sair do jogo mortífero e fazer uma coisa que é, ao mesmo tempo, egoísta, já que a pessoa se isola e trabalha sozinho; e não-egoísta, porque deixa um rastro, que é a obra.
Em uma das crônicas você aponta o "procedimento" como fundamental na arte de vanguarda, especialmente a partir de Duchamp. Quais os seus procedimentos?
Não tenho um procedimento fixo, faço apostas. Meus romances são apostas para ver se é possível fazer aquilo de uma maneira que nunca foi feita antes. Todos meus romances são experimentos, como se fosse química misturar um ácido e um básico e ver o que acontece. Por isso, meus livros são breves, assim como os experimentos.
A primeira crônica do Pequeno Manual de Procedimentos se constrói com a idéia da literatura como abandono. Ao que o senhor teve que renunciar para se tornar escritor?
Todos os escritores pensamos que estamos renunciando à vida, que temos que eleger entre viver ou escrever. Daí surge a nostalgia de uma vida de aventuras, de uma vida de verdade. Mas, eu já me reconciliei comigo mesmo e com a minha vida.
Para finalizar, repito três perguntas com as quais o senhor encerra um de seus ensaios: "Por que escrever, como escrever e o que escrever?"
Essas três perguntas abrangem tudo. Poderia passar horas falando somente sobre isso. Quem escreve escreve por uma fatalidade, porque estamos destinados a isso. O "como" se aprende. Quem escreve está sempre um pouco louco quem está são, não escreve. Mas o "como" exige que a pessoa esteja sã. Por isso. são tão raros os bons escritores: eles têm que estar loucos e sãos ao mesmo.
César Aira, escritor.
Serviço: Pequeno Manual de Procedimentos, de César Aira (tradução de Eduard Marquardt e organização de Marco Chaga. Arte & Letra, 188 págs., R$ 35).
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