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O turco Ziya Azazi: dança sufi mística | Fabio Alcover/Divulgação
O turco Ziya Azazi: dança sufi mística| Foto: Fabio Alcover/Divulgação

Londrina - Relações muito distintas com o divino movem dois dos principais espetáculos estrangeiros apresentados no Festival Internacional de Teatro de Londrina, o Filo (confira o serviço completo), neste último fim de semana. Por um lado, a crítica à Igreja inserida na tradição cristã, feita pela coreógrafa espanhola Marta Carrasco, em Dies Irae. Outro viés faz com que o turco Ziya Azazi transforme em performance uma dança sufi mística, entendida como uma forma de conexão com Deus em sua cultura. Dervish, palavra que no­­meia o tranbalho, em tradução literal significa "embriagado pelo amor de Deus".

A Concha Acústica, belo es­­paço ao ar livre no Centro de Londrina, recebeu o bailarino turco e suas muitas saias, usadas durante a dança que se constitui primordialmente de movimentos giratórios.

Durante quase uma hora, em dois solos ("Azab" e "Dervish in Progress"), Azazi rodopia. Ao som de uma trilha que principia robotizada – como o gestual dele, de ângulos retos – e se converte em uma versão mais moderna da música étnica, seus movimentos se arredondam e experimentam diversos eixos e graus de curvatura corporal, desde cambalhotas no chão até o giro em torno de si.

A energia de cada ação impulsiona a próxima e as saias solitárias ou sobrepostas criam uma aerodinâmica que ajuda o corpo a girar. "Repetindo os movimentos várias vezes, numa atitude de concentração física e mental, chegamos ao êxtase", explicou Azazi.

Essa espécie de transe, plástico e hipnótico para quem vê, o aproxima do estado de êxtase que a dança sufi originalmente persegue, dentro de uma corrente filosófica que crê em uma relação mais direta com Deus, não por palavras e leituras, mas através docorpo em movimento.

Enquanto gira, Azazi faz uma imersão em si mesmo, tanto pela concentração e consciência corporal exigidas, como porque é ele o centro do círculo que desenha no espaço. Mas há de se considerar que sua dança se revela diante do público fora do contexto sagrado ou filosófico.

Torna-se um número performático, infiltrado por outros saberes da dança contemporânea, belo em suas cores e ondulações. Sem perder o equilíbrio, desafia a gravidade, que demora a se impor sobre a saia rubra atirada pelo artista ao alto. Lá se mantém por longos segundos, solta no ar, e ainda rodopiante, como uma manifestação do in­­compreensível.

Missa fúnebre

De início, a postura de súplica por misericórdia divina domina a missa fúnebre do Juízo Final, tal como criada por Marta Carrasco, uma das mais esperadas artistas desta edição do Filo por seu trabalho com o teatro-dança, no espetáculo Dies Irae.

Uma imagem sobressai: a do aglomerado humano que se arrasta, se debate e implora perante um ser todo poderoso. Por vezes, uma mulher se destaca no impulso de alcançar o divino, sem sucesso. A solução cênica para seus fracassos, ora é um vestido de tecido elástico, ora os longos fios de cabelos feitos de rédeas que a prendem ao grupo ao qual pertence, por mais que avance. Sua natureza humana é inescapável. Só lhe cabe uma atitude de escárnio e critica, caminho que as mulheres em cena (atrizes e bailarinas) tomarão.

As imagens se forjam de cores vibrantes, de movimentos individuais e coletivos evocando a ira, o caos, a fé e o pecado, sob o peso da música inacabada que Mozart compôs a partir de um hino em latim do século 13 – e que batizou a montagem. O conjunto confere gravidade e grandiloquência às cenas, apresentadas no Teatro Ouro Verde, o principal de Londrina.

Quanto mais investe no ritual, na sinestesia, nessas imagens e movimentos poetizados, mais visualmente impactante e perto da sublimação o espetáculo se mostra. Os dardos de Carrasco, porém, miram na verdade a instância humana que se interpõe no caminho espiritual: a Igreja. Ataca padres, papas e demais representantes, alude à homossexualidade e à pedofilia. Expõe o discurso de Santo Agostinho que, historicamete, rebaixou a mulher e teria deflagrado o ódio à figura feminina, e crucifica em cena, em vez de um Cristo, uma mulher.

O que de início parecia se encaminhar pelo desespero existencial, atingindo uma grandiosidade arrebatadora, se revela um discurso condenatório de toda a estrutura religiosa, como se ela ainda tivesse o mesmo peso que teve durante a Idade Média sobre cada cabeça humana.

* A repórter viajou a convite do Festival Internacional de Teatro de Londrina.

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