Cidadão Facebook -Sujeito estranho desinteressado por vínculos emocionais é o personagem central de A Rede Social, filme de David Fincher que conta a história do fenômeno capaz de definir a chamada geração Y, dos jovens que vivem a primeira década do século 21| Foto: Divulgação

O cinema norte-americano é pródigo em heróis. E também em vilões. Mas Mark Zuckerberg, o protagonista de A Rede Social, não se enquadra nessas categorias. Talvez por isso que o novo filme de David Fincher (O Curioso Caso de Benjamin Button) tenha sido comparado por alguns críticos norte-americanos ao clássico dos clássicos Cidadão Kane (1941).

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Assim como o filme de Orson Welles, que reconstitui a trajetória de um magnata da imprensa norte-americana, A Rede Social também parte de fatos reais na história recente da comunicação. E os reimagina. Zuckerberg é um dos fundadores do Facebook, que hoje congrega 500 milhões de usuários ao redor do planeta. E ,como Kane, é um anti-herói que beira a sociopatia.

Ao contrário do personagem encarnado por Welles, cuja infância e juventude ocupam parte significativa da narrativa, Zuckerberg é um enigma até maior do que o significado da palavra "Rosebud", pronunciada por Kane antes de morrer. Pouco é revelado sobre o passado do jovem criador do Facebook, a não ser que é um brilhante estudante da Universidade de Harvard, que apresenta quase todos os traços de um nerd convicto e enfrenta constantes dificuldades de relacionamento com mulheres, além de ter poucos amigos. Nada é dito sobre sua família ou sua vida antes da faculdade.

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Narrado em tom de fábula moral high-tech, A Rede Social tem dois tempos narrativos. O mais recente mostra o enfrentamento judicial de Zuckerberg com seu ex-sócio e melhor amigo, o brasileiro Eduardo Sevarin (Andrew Garfield), com quem criou o Facebook e que ele acaba traindo e deixando no caminho em sua rota de ascensão. Zuckerberg também está sendo processado por colegas de Harvard, com quem havia firmado um acordo para a criação de uma rede interna em Harvard, projeto que jamais teve o intento de tocar. Quis ganhar tempo para seu golpe de mestre.

Essa ação é entremeada por flashbacks que, aos poucos, vão reconstituindo o processo que culminou com o litígio que serve de esqueleto à narrativa. No fundo, Fincher, um diretor especializado em outsiders, parece estar mais interessado em mergulhar na trajetória gloriosa e patética de seu protagonista, um jovem cuja habilidade de manter à distância qualquer afeto verdadeiro é assustadora.

Baseado no livro Bilionários por Acaso, do jornalista Ben Mezrich, que teria romanceado e tomado liberdades em relação à história real, o roteiro de Aaron Sorkin é brilhante por servir ao intento de Fincher de não focar apenas no factual, mas na saga existencial de Zuckerberg. Ele é tratado como uma espécie de personagem-símbolo da geração Y, que busca mais reconhecimento e notoriedade do que fortuna, movida por baixa autoestima disfarçada de arrogância. O filme também trata da fragilidade dos vínculos entre pessoas que se relacionam mais no plano virtual do que no físico e emocional.

Vivido à perfeição por Jesse Eisenberg (A Lula e a Baleia), Zuckerberg incomoda muito porque está no centro da trama. Sevarin, ou "Wardo", como chamam o brasileiro naturalizado norte-americano, lhe serve de contraponto. Graças à interpretação empática de Andrew Garfield, a tendência é que o espectador médio se identifique com ele e não com o protagonista.

Preste atenção à sequência inicial – um diálogo desencontrado entre Zuckerberg e sua namorada. Esse prólogo servirá, ao lado da última cena do filme, de chaves importantes para compreender a complexidade emocional do personagem. Que não é exatamente um vilão, mas alguém com a alma mutilada. Como a de um certo cidadão Kane. GGGG

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