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Pellegrini optou por fazer a divulgação de livro por e-mail após conflito com herdeiros de Leminski | Gilberto Abelha/ Jornal de Londrina
Pellegrini optou por fazer a divulgação de livro por e-mail após conflito com herdeiros de Leminski| Foto: Gilberto Abelha/ Jornal de Londrina

Polêmica

Publicação de biografias divide classe artística

Das Agências

A polêmica sobre a publicação de biografias no Brasil vem crescendo e dividindo a classe artística. De um lado, capitaneados por Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil, está o Procure Saber, time dos que defendem a manutenção do artigo do Código Civil, que obriga a autorização dos biografados ou de seus herdeiros para que uma obra seja publicada. De outro, com Alceu Valença, Ruy Castro e outros escritores, está o time dos que acreditam que o artigo fere a liberdade de expressão e a Constituição Federal.

Nesta semana, o escritor e pesquisador Lira Neto – autor de uma obra em três volumes sobre a vida do ex-presidente Getúlio Vargas – tomou sua decisão: se a lei não mudar, sua carreira de biógrafo termina aqui. O livro de Lira, Getúlio: Dos Anos de Formação à Conquista do Poder, ficou em terceiro lugar na categoria biografias do Prêmio Jabuti, anunciado na última quinta-feira.

A decisão de Lira vem dias depois de o biógrafo Mario Magalhães, anunciado como o vencedor do Prêmio Jabuti pela biografia que fez do guerrilheiro Carlos Marighella, dizer que não vai mais escrever livros do gênero se a lei não for modificada.

Lira Neto diz acreditar que o que está em questão por trás da polarização que se faz entre liberdade de expressão versus direito à privacidade são intenções financeiras. Djavan, um dos integrantes do grupo Procure Saber, escreveu há uma semana que o biógrafo tem de compartilhar parte do que ganha com o artista, postura compartilhada pelos integrantes de seu grupo que tem Paula Lavigne, ex-mulher de Caetano Veloso, como líder).

Há duas frentes tentando modificar o artigo 20 do Código Civil: um projeto de lei a ser votado na Câmara dos Deputados, de autoria do deputado federal Newton Lima (PT), e uma ação direta de inconstitucionalidade movida pela Associação Nacional dos Editores de Livros no STF. Ao perceber o impacto do tema na sociedade, a ministra Cármen Lúcia pediu uma audiência pública (reunião aberta à sociedade) para os dias 20 e 21 de novembro. Só depois a ação será votada.

Chico

Na quinta-feira, 17, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o cantor e compositor Chico Buarque ensaiou um mea-culpa em relação a seu apoio à necessidade de autorização prévia de figuras célebres ou dos herdeiros destas para a comercialização de biografias. Mas voltou a defender "que o cidadão tem o direito de não querer ser biografado".

"Posso até não estar muito bem informado sobre as leis e posso ter me precipitado [...] repito: posso ter me enganado [...] se a lei está errada, se eu estou errado, tudo bem, perdi", disse.

"Entendo que alguns artistas, algum cidadão, algum ator queira preservar a sua intimidade. Não acho que isso seja uma aberração. Acho que é um direito [...] São problemas que não são levados pelo artista ao público, [questões] com que ele toma o maior cuidado. Não transforma isso em música, não escreve a respeito, quer preservar para si. Acho respeitável", completou o músico.

Nesta semana, Chico Buarque pediu desculpas por ter negado a informação de que dera entrevista para a biografia Roberto Carlos em Detalhes (Planeta), de Paulo César Araújo – o biógrafo sempre o citara entre as fontes.

Após a publicação de fotos e vídeo do encontro com Araújo, o cantor fez o pedido de desculpas. "Não me lembrava de ter dado entrevista alguma a Paulo Cesar Araújo, biógrafo de Roberto Carlos. Agora fico sabendo que sim, dei-lhe uma entrevista em 1992 [...] Errei e por isso lhe peço desculpas."

  • Chico Buarque fez mea-culpa sobre o apoio dele ao grupo que defende artigo que preserva biografados

O recente sucesso de vendas de Toda Poesia, de Paulo Leminski (Companhia das Letras, 2013), e a exposição Múltiplo Leminski, no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, colocaram o poeta paranaense em circulação, jogando luz sobre sua obra, que se encontrava meio à margem do debate literário. Em um poeta com o domínio da mecânica do mundo pop, com lances existenciais tratados com recursos de marketing, era natural uma pressão de seus leitores para usufruir não apenas da obra, mas também da trajetória de vida.

Nasceu um novo interesse pelo livro Paulo Leminski: o Bandido Que Sabia Latim (Record, 2001), de Toninho Vaz, a única biografia disponível do poeta. Mas a família não renovou a autorização para a quarta edição deste livro – que sairia pela Nossa Cultura, de Curitiba –, pois está interessada em construir outra abordagem biográfica. Nesse sentido, a mesma editora havia convidado Domingos Pellegrini para a empreitada, que aceitou num primeiro momento, mas depois desistiu. Por conta própria, no entanto, o ficcionista resolve se dedicar a uma narrativa solta e independente, uma recordação livre sobre suas conversas com o amigo morto. A família também se recusa a autorizar a publicação desse livro por entender que ele denigre a imagem do poeta. Domingos, revivendo os anos de 1970, quando os textos circulavam fora do sistema editorial, espalha milhares de cópias pela internet.

Questões jurídicas

Para além das questões jurídicas de direito de expressão e de direito de privacidade, algo que o Brasil tem de resolver de forma urgente, tentemos entender o livro e-mail de Domingos Pellegrini: Passeando por Paulo Leminski (sem editora, 2013).

A primeira observação é sobre a forma: não se trata de uma biografia. O livro é o reencontro de dois amigos, uma longa conversa que eles acabam tendo no espaço ficcional da escrita. Depois de anos, Domingos e Paulo se reúnem novamente para continuar as falações de sempre. Teremos, em todo o volume, duas vozes, a do Leminski em itálico e a de Pellegrini em fonte normal. As vozes começam independentes, cada um com seu universo lexical. O Leminski-personagem (tratado como Polaco) usa muitos neologismos e trocadilhos e fala de sua própria vida de uma maneira leminskiana. Domingos-personagem (apresentado como Pé Vermelho) tem uma voz mais serena nessas primeiras páginas, fazendo assim um contraponto. Aos poucos, no entanto, as vozes vão se misturando, para terminar com Domingos tomando a palavra apenas para si, e falando no mesmo tom exaltado nos dois espaços narrativos. A fala de Paulo no final já não é mais distinta, é um eco da fala de Pellegrini. O que era dois virou um só. Está aí a beleza estrutural e afetiva do livro.

Estrutura

Mas há ainda outra aproximação: Passeando por Paulo Leminski se apropria de maneira amorosa à estrutura das biografias que Leminski fez de Jesus Cristo, Cruz e Sousa, Bashô e Trotski (reunidas em Vida – Sulina, 2ª. edição, 1998, relançado agora pela Companhia das Letras). É também uma forma de homenagear o amigo por meio de seu jeito desabusado, meio guerrilheiro de escrever. Assim, o relato de Pellegrini talvez fosse a maneira como Leminski escreveria sobre o próprio Leminski ou sobre o Pellegrini – é um livro essencialmente egótico.

O que se narra neste livro? Domingos fala sobre tudo, nesta teorização sem limites, que vai de interpretações de sonhos a análises das traduções de Leminski. Mas o centro é o estado de camaradagem entre os dois, uma camaradagem bélica, de dois egos em competição, que se dá em torno da bebida, pois foi num ambiente de cigarro e álcool que aconteceu a maior parte dos contatos entre os dois. O título então poderia ser Bebendo com Paulo Leminski. Esta forma de ler a vida do poeta é também amorosa, mas reforça os estereótipos sobre ele, principalmente o heroísmo do suicídio pelo álcool. E Leminski não era só o homem que bebia continuamente, embora esta seja uma face real e importante dele.

Memórias

Com certeza, o autor tem outras memórias de Leminski, com quem conviveu intensamente, mas Domingos talvez tenha optado por silenciar coisas para preservar a intimidade do poeta. Também seria interessante reproduzir a polêmica série de artigos no jornal O Estado do Paraná, em 1974, quando os dois escritores se enfrentaram, pois é um momento forte do contato entre eles. Só depois passariam a se entender, mas sempre no mesmo clima de disputa.

Esta natureza de guerra de egos cria uma falsa impressão em quem lê, de certo cabotinismo de Pellegrini, que insiste em mostrar Leminski elogiando o seu trabalho, dizendo que gosta de Pé Vermelho, que o inveja.

Editados e acrescidos de mais episódios, estes originais on-line podem render um valioso documento de duas personalidades fortes.

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