Em As Viúvas de Eastwick, John Updike mistura fantasia, sátira social e crônica realista dos costumes norte-americanos| Foto: Fotos: Divulgação
Cher (Alexandra), Susan Sarandon (Jane) e Michelle Pfeiffer (Sukie) viveram o trio de protagonistas em As Bruxas de Eastwick

Nova York - Certa vez, John Updike descreveu seu romance As Bruxas de Eastwick, de 1984, como uma tentativa que fizera de "acertar contas com as minhas, como chamá-las, detratoras feministas". Elas se queixavam, acrescentou, de que ele tendia a retratar as mu­­lheres como "esposas, objetos sexuais e criaturas puramente domésticas".

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Foi uma afirmação curiosa, pois era estranho que um escritor sentisse necessidade de responder a seus críticos num romance. Também porque livros anteriores de Updike, que por acaso privilegiavam personagens masculinos, não pareciam ser mais sexistas do que, digamos, romances sobre personagens femininas escritos por gente como Erica Jong ou Sue Miller.

Além do mais, o esforço de Updike em trazer para o centro dos acontecimentos o que ele chamou de mu­­lheres ativas e dinâmicas de fato resultou num conto moral misógino: Bruxas retratava a mulher liberada do final dos anos 60 e 70 na forma de ameaçadoras feiticeiras de magia negra. Mulheres desavergonhadas que não só abandonavam suas funções como mães e esposas para se dedicar a carreiras tolas e diletantes, mas que também eram capazes de extremos como matar outra mulher que tivesse roubado o homem cobiçado por todas.

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O romance jogava com os mesmos medos que alimentaram os julgamentos das bruxas de Salém, retratando as três heroínas como coniventes, promíscuas, ciumentas e narcisistas irresponsáveis, ávidas por usar seus encantos femininos para manipular homens e destruir mulheres menos ardilosas.

No mais recente romance de Updike, As Viúvas de Eastwick, que a Companhia das Letras está lançando no Brasil, Alexandra, Jane e Sukie estão de volta. Nas décadas que se passaram, todas elas deixaram Eastwick, arrumaram novos maridos e tomaram rumos distintos. Alexandra mudou-se para Taos com Jim Farlander, um oleiro e ceramista dado a silêncios de caubói. Jane casou-se com um rico consultor de investimentos chamado Natha­­niel Tinker III e se acomodou como grã-fina em Massachusetts. Sukie mudou-se para Stamford, Connecticut, com o marido Lennie Mitchell, um vendedor de computadores mulherengo que ficou rico. Agora, os maridos todos estão mortos, e as viúvas – "três senhoras de idade, frágeis e secas em sua corrupção" – se reuniram e fazem planos de voltar a Eastwick para uma visita no verão.

Maturidade

A passagem do tempo parece ter amadurecido as bruxas, assim como a seu criador, e As Viúvas de Eastwick, embora profundamente falho, é menos tendencioso, um romance mais verossímil do ponto de vista emocional que seu antecessor. Updike está menos interessado em didaticamente marcar pontos contra o feminismo do que em explorar a fatura que tempo e idade cobram igualmente de homens e mulheres, e há um tom elegíaco no romance não muito diferente daquele presente no último livro da série do Coelho, Coelho Se Cala (1990).

O clima aqui reflete a consciência dos personagens de que o passado, agora, pesa mais do que o futuro na escala de suas vidas, e os ruidosos imperativos do sexo, que algum dia lhes trouxeram tantos problemas, deram lugar a inquietações sussurradas sobre os males do corpo e problemas de saúde.

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A morte dos maridos e o próprio senso de seu declínio físico tornaram as três mulheres mais conscientes do que nunca do incansável tique-taque do relógio humano. Jane, que continua a assobiar os esses, olha para os filhos crescidos e rejubila-se de que não "competem com gente da nossa geração, mas no seu mundo, contra as mesmas pessoas que foram suas coleguinhas no jardim de infância". Sukie vê Jane e Alexandra após muitos anos e pensa que parecem "mais superficiais do que se lembrava delas – mais profundas na crescente indiferença que nos prepara para a morte". E Alexandra fala de "um sentimento de desânimo", de um senso "de que as células do meu corpo estão ficando impacientes comigo", e acrescenta: "Estão entediadas por abrigarem meu espírito".

Como fez em seus romances sobre o Coelho, Updike pontua essa história com observações detalhadas do mundo que seus personagens habitam. Um mundo que cada vez mais acham estranho, irritante ou desconcertante, um mundo que continua a produzir novas geringonças tecnológicas impossíveis de usar ("Somos pré-eletrônicas", diz Sukie), um mundo em que mansões viraram condomínios, pubs se transformaram em bares onde beber e assistir jogos.

Artifício

Para as três bruxas de Updike, que abraçaram os excessos da contracultura dos anos 60 e 70, Eastwick se tornou um subúrbio anódino, yuppie, desprovido de pecado e tentação. "Lembro-me de Eastwick como um lugar divertido e caipira", observa Jane, a mais irascível e presunçosa do trio, "mas virou um padrão só, todo certinho."

Ela acrescenta: "E os mais jovens, com a idade que tínhamos na época em que morávamos aqui – tão entediantes, é só olhar para eles, jovens mães extravagantes em seus utilitários levando os filhos gordinhos para o treino de hóquei a mais de 30 quilômetros de casa, jovens pais castrados e insípidos ajudando suas mulherzinhas com o trabalho doméstico, os sábados inteiros dedicados a seus lares encantadores. São os anos 50 de volta, mas sem os russos como desculpa."

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A decisão das bruxas de alugar um apartamento num condomínio em Eastwick para o verão – alegam querer passar algum tempo juntas, e Alexandra quer visitar sua filha que ainda mora ali – é, naturalmente, um artifício de Updike, que nunca, nem remotamente, se torna plausível para o leitor. O autor simplesmente procura um pretexto para trazer o trio de volta à cena de seus crimes pregressos, para que possa colocar as três em compasso de memória, culpa e arrependimento e, ao mesmo tempo, próximas das pessoas que se recordam de seus atos perversos.

Uma pessoa em especial parece desejar o mal das bruxas: Christopher Gabriel, um aprendiz de feiticeiro que conhecemos no livro anterior, culpa as três mulheres pela morte de sua irmã em tempos idos, e começa a lançar misteriosas maldições contra elas. Em parte por autodefesa, em parte para reparar seus crimes, as bruxas tentam ressuscitar suas habilidades mágicas num sabá noturno que termina com o colapso repentino de uma delas.

As descrições de Updike para esses feitos mágicos são embaraçosas ao extremo, nem um pouco engraçadas ou satíricas, como talvez o autor pretendesse. Updike submete o leitor a cenas como a das três heroínas nuas num círculo mágico desenhado com grânulos de detergente, brindando umas às outras com Chianti Carlo Rossi. E permite a Christopher tagarelar sobre coisas sem sentido como "a realidade quântica do entrelaçamento de partículas a certa distância" que poderia "ser estendida também ao mundo das suprapartículas".

É quando deixa de lado o blábláblá sobre magia e as observações petulantes sobre os corpos decadentes das bruxas que esse romance imperfeito tem seus melhores momentos. Suas protagonistas são mais convincentes não como feiticeiras sobrenaturais, mas como mulheres comuns, atormentadas pelos pecados de sua juventude, com medo da perspectiva iminente da morte e fazendo o máximo para seguir em frente, dia após dia.

Serviço

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As Viúvas de Eastwick, de John Updike. Companhia das Letras, 360 páginas, R$ 54.

Tradução de Christian Schwartz.