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Depois de morto, Jean-Paul Sartre (1905 – 1980) está se revelando um canalha mulherengo. Que mantinha uma relação pitoresca com uma de suas amantes, a mais "mal-comportada" de todas, Simone de Beauvoir (1908 – 1986). Eles viveram uma relação nada ortodoxa. Ousada mesmo hoje em dia, quando se discute o casamento homossexual e as mulheres estão mais ou menos distantes da opressão que experimentaram meio século atrás. Os detalhes dessa união são descritos com minúcias por Hazel Rowley em Tête-à-Tête (Tradução de Adalgisa Campos da Silva. Objetiva, 464 págs., R$ 54,90).

Sartre e Beauvoir criaram algo tão inédito e autêntico que poderia virar adjetivo. Se uma pessoa chega para a outra dizendo que não quer compromisso – não quer casar nem morar junto –, mas admite que gosta da companhia, do sexo e da conversa, poderia falar em um relacionamento "sartre-beauvoiriano". Tal conceito incluiria ainda a liberdade para manter outros parceiros simultaneamente e – por que não? – até compartilhá-los. Pois foi assim que o famoso casal francês viveu por mais de 50 anos.

Em um texto-desabafo publicado em O Estado de S.Paulo do último dia 8, o jornalista Aluízio Falcão destaca o livro de Hazel Rowley como parte de uma série de publicações que procuram desmitificar Sartre e Beauvoir, revelando que ambos tinham uma "espantosa falta de respeito pelo próximo". Falcão segue o seu raciocínio citando uma história específica, ligada a uma amiga que atuou como intérprete dos escritores no Brasil em 1960. "Nós, da geração que idolatrou Sartre e Beauvoir, vemos estarrecidos que estes ídolos foram capazes de baixezas insuspeitadas. Só nós resta vê-los como ex-amigos que animaram a nossa juventude com teorias libertárias e deixaram para o fim, em cartas e memórias, o triste retrato de suas vidas mal vividas", lamenta.

Hazel Rowley assume a admiração pela filosofia existencialista, por Sartre e Beauvoir. Usa até o clássico "mudou minha vida" para falar do efeito que a obra da escritora teve sobre si. Embora se diga "obcecada" pelos franceses, sua postura parece distante da idolatria a que se refere Falcão. É aí que reside uma das qualidades de Tête-à-Tête. A autora aborda seus personagens com respeito, mas não hesita em humanizá-los, revelando incoerências e contradições.

A americana teve acesso a várias correspondências inéditas. Sua maior fonte foi Sylvie Le Bon de Beauvoir, a filha adotiva da escritora de O Segundo Sexo, considerado o texto seminal da emancipação feminina. Sylvie desenvolve o trabalho de decifrar as cartas da mãe enviadas para Nelson Algren, Maurice Merleau-Ponty e a várias outras figuras importantes da época. Sempre com o intuito de publicá-las. Atitude oposta à de Arlette Elkaïm Sartre, adotada pelo autor de O Ser e o Nada e, hoje, executora literária do pai. Pelo que diz Hazel, Arlette construiu um "muro de silêncio", atrás do qual sonega informações e faz tudo para impedir a publicação de qualquer coisa relacionada a Sartre (inclusive escritos inéditos dele).

O ápice da vida intelectual de Hazel aconteceu em novembro de 1976, ao entrevistar sua heroína Beauvoir. "Na saída, entristeceu-me perceber que ela não conseguia separar a realidade de sua vida do mito", escreveu. Esse parece ser o desafio: admirar alguém não por suas qualidades, mas apesar de seus defeitos.

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