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A atriz Sonia Braga: destaque em Cannes | LOIC VENANCE/AFP
A atriz Sonia Braga: destaque em Cannes| Foto: LOIC VENANCE/AFP

Uma metáfora sobre o Brasil da corrupção e do cinismo, além de um denso retrato de sua personagem principal, “Aquarius”, filme de Kleber Mendonça Filho, é uma “rica e misteriosa” história de desintegração social, na avaliação do jornal britânico “The Guardian”.

O filme, único brasileiro na disputa pela Palma de Ouro, recebeu uma enxurrada de elogios da imprensa internacional após sua exibição no Festival de Cannes, nesta terça-feira (17).

A crítica de Peter Bradshaw, do “Guardian”, dá quatro estrelas (de um total de cinco) ao longa. Para o autor do texto, o filme peca apenas ao recorrer, no fim da trama, a um certo “deus ex machina” -expressão que define uma resolução inverossímil a um problema dramático.

“Filme político”

Em “Aquarius”, Kleber Mendonça Filho questiona os excessos do capitalismo no Brasil pelo retrato de uma mulher livre, com opiniões próprias e rebelde, vivida pela atriz Sônia Braga.

“O filme fala do fato de viver sua vida como se quer, sem seguir as ordens daqueles que têm interesses comerciais”, declara Filho.

Esse é seu segundo longa desde “O som ao redor”, de 2012.

“Clara é uma mulher forte, que vive sua vida e deve enfrentar a pressão de pessoas que têm seus projetos”, acrescenta.

“Ela está no caminho delas, mas tem uma personalidade forte e um forte senso da história e do patrimônio”, afirma.

No filme, a personagem-título, que se define como “uma velha dama e uma criança, às vezes os dois”, busca preservar seu estilo de vida.

“A situação, na qual ela se encontra, a pressão, a luta, as imposições de ‘não fazer isso’, eu vi muito isso, no Brasil e na minha vida. É uma mistura das nossas duas personalidades”, diz Sônia, de 65 anos.

Com esse retrato, construído em três etapas, Kleber Mendonça Filho se questiona, indiretamente, sobre os desvios do capitalismo no Brasil contemporâneo.

“Seu papel no filme é muito político, mas não acho que ela discuta política abertamente no filme”, analisa o diretor.

“É um filme político, mas não no sentido clássico, porque ele fala de coisas em uma escala muito pequena.”

Destaque para Sonia Braga

O também britânico “The Telegraph” diz que “Aquarius” fará qualquer um querer se mudar para o Brasil e destaca a atuação de Sonia Braga, que vive Clara, uma crítica de música aposentada e viúva às turras com uma construtora com planos de demolir o prédio em que ela vive.

“Braga foi presenteada com um papel denso e multifacetado, e ela mergulha nele com maestria brilhante, leonina, investindo no personagem com uma dignidade duramente conquistada”, afirma a publicação.

A revista “Variety”, uma das mais importantes da indústria cinematográfica dos EUA, também elogia o trabalho da atriz, a quem classifica como “incomparável”, e define Mendonça Filho como “uma nova importante voz do cinema brasileiro”, que sabe dominar os espaços em cena em é um “mestre” no trabalho com os sons.

“‘Aquarius’ é um estudo de personagem, bem como uma reflexão perspicaz sobre a transitoriedade desnecessária de lugares e da forma como os espaços físicos refletem em nossa identidade.”

A publicação prevê ainda que o longa provavelmente será aclamado em festivais pelo mundo, mas poderá sofrer resistência de distribuidores por causa de seu tempo de duração -duas horas e 25 minutos.

“Aquarius” tem um tom mais arejado que “O Som ao Redor” (2013), primeiro longa-metragem de ficção do diretor que o alçou ao alto escalão do cinema nacional, na opinião da americana “The Hollywood Reporter”.

O filme pode decepcionar os que esperam por uma estética experimental, como a de seu antecessor, mas é “cativante” e “funciona melhor” como um retrato de personagem sério e versátil, segundo a revista.

Aplausos

Em Cannes, “Aquarius” teve sua primeira exibição na sala Bazin -espaço menor do que os outros em que os filmes da competição em geral são projetados. Ao final, o longa foi aplaudido pelos jornalistas que lotaram o local.

A nova produção de Mendonça Filho guarda elementos de “O Som ao Redor”: a discussão sobre o espaço físico (público e privado), as diferenças de classes sociais (no novo filme evidenciadas na personagem vivida por Zoraide Coleto, empregada doméstica de Clara), a cuidadosa construção sonora.

Mas o novo filme concentra na protagonista vivida Clara toda a dramaturgia — é ela, e não um círculo de personagens como no longa anterior, a escolhida para dar voz ao mote da história: um libelo sobre a memória das coisas.

Concorrência

“Aquarius” compete com outros 20 títulos pela Palma de Ouro. Entre seus mais fortes concorrentes estão os elogiados “Paterson”, do diretor americano Jim Jarmusch, e a comédia alemã “Toni Erdmann”, de Maren Ade.

A última vez que o Brasil disputou o prêmio foi em 2012 com “Na Estrada”, coprodução com outros países dirigida por Walter Salles, que também competiu em 2008 por “Linha de Passe”, codirigido por Daniela Thomas. Salles, aliás, é produtor de “Aquarius”.

O Brasil ganhou a Palma de Ouro uma vez: em 1962, por “O Pagador de Promessas”, de Anselmo Duarte.

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