Infelizmente não foi como em 2011, quando Woody Allen fez todos saírem da sessão inaugural do Festival de Cannes de bem com a vida ao revelar o que acontecia à Meia-noite em Paris. Desta vez, o diretor Wes Anderson teve apenas uma recepção polida ao mostrar mais uma de suas extravagâncias familiares, Moonrise Kingdom, transformando a promessa de uma divertida abertura em um clima de complacência e frieza. Frieza, aliás, avalizada pelo vento forte e gelado do Mediterrâneo, incomum na Côte dAzur para uma primavera quase verão.
Embora aqui e ali com pinceladas geniais, o primeiro filme da competição oficial em nenhum momento levou a plateia da sessão reservada à imprensa ao entusiasmo. Bruce Willis, Edward Norton, Bill Murray, Tilda Swinton, Jason Schwartzman e Bob Balaban estiveram a serviço de Anderson em sua primeira participação em Cannes, nesta comédia tão inclassificável como as demais de sua filmografia de nove títulos seu melhor momento foi há dez anos, com Os Excêntricos Tenenbaums. Aproveitando o amplo espaço conquistado na mídia francesa e mundial por conta da inauguração do festival, o filme estreou comercialmente ontem no país em generosa fatia do mercado.
Recordações
Para escrever (em coautoria com Roman Coppola, filho de Francis Ford) e dirigir Moonrise Kingdom, Anderson foi buscar o tema em suas lembranças, ou melhor, "na recordação de emoções, na sensação que cada pessoa guarda da primeira vez que se apaixonou", conforme suas próprias palavras durante a coletiva de imprensa também pouco inspirada que se seguiu à exibição. No argumento, um escoteiro órfão e rejeitado pelos pais adotivos e uma garota sonhadora, oriunda de uma família disfuncional, descobrem o primeiro amor aos 12 anos e resolvem fugir juntos. O casal é vivido pelos estreantes Jared Gilman, fisicamente o próprio Daniel "Harry Potter" Radcliffe de 10 anos atrás, e Kara Hayward. Estes jovens atores e alguns dos adultos se uniram à "família" que Anderson criou no cinema há mais de uma década, "uma família da qual todos querem fazer parte, como aquela que Orson Welles criou nos anos 1930, no Mercury Theather", afirmou na coletiva Edward Norton, que no filme interpreta um dos monitores do grupo de escoteiros.
O tema da família na tela e fora dela, neste entorno formado por Wes Anderson provocou uma intervenção hilariante de Bill Murray, formal e adequadamente trajado para a ocasião com um complicado modelo integral kitsch/patchwork, blazer e calça. Ele, que pode ser chamado de "ator-fetiche" de Anderson, observou com seu habitual ar de falsa seriedade que "trabalhar com um diretor várias vezes é um prazer". "Às vezes, você trabalha com alguém que acha que não vai encontrar nunca mais, e inclusive não quer mesmo encontrar nunca mais. E isto também ocorre com o diretor em relação ao ator: ele quer mais é perdê-lo de vista para sempre. Mas, no caso deste filme, estávamos todos a serviço de um bom resultado. Embora eles só tenham nos pagado a viagem a Cannes..."
A ação do filme se situa em 1965, numa ilha à qual somente se chega de barco, e onde acampamentos de escoteiros são a principal atividade. Com imagens extremamente elaboradas, uma estupenda musica de Alexandre Desplat e uma coleção de personagens sempre com um pé no surrealismo tão caro a Anderson, Moonrise Kingdom promete muito mais do que entrega, embora sobrevivam cenas engraçadas e momentos isolados de brilho de cada um dos atores principais.
Deixe sua opinião