O amplo apartamento em que vive na praça Santos Andrade é um retrato das diferenças na personalidade do estilista e carnavalesco Ney Souza. De um lado, a casa é bem organizada, com quadros, louças e tapeçaria sofisticada que herdou da família.
A outra metade ele converteu em seu atelier, mais caótico e animado. Cheio de plumas, paetês, chapéus, manequins de antigos vestidos de noiva e livros de história de onde tirou as referências das centenas de fantasias que criou para carnavais nos últimos sessenta anos.
“Eu fico mais do lado de cá [do atelier] mesmo. Foi aqui que as coisas sempre aconteceram para mim. Existe mais de um Ney. O que todos conhecem é o que aparece no Carnaval, mas há muitos outros”.
A vida agitada de Ney Souza está narrada no filme “Ney Souza – O Senhor do Tempo”, do cineasta Estevan Silveira que será exibido nesta terça-feira (27) na Cinemateca de Curitiba.
Ney Souza – O Senhor do Tempo
Filme de Estevan Silveira
Terça-feira (27), em três sessões a partir das 20h + exposição de fantasias criadas por Ney Souza.
Cinemateca de Curitiba (Carlos Cavalcanti, 1174, São Francisco) . Entrada Gratuita
O curta-metragem é focado na persona carnavalesca de Ney Souza. Silveira explica que a ideia surgiu, conta Silveira, quando o estilista o ajudou a compor o figurino de seu filme “Lulu, a Louca”, baseado em texto de Dalton Trevisan.
“Percebi que a história dele merecia um filme. Então a equipe do filme passou a acompanhá-lo no Carnaval por três anos seguidos”.
O nome do filme é uma referência a uma fantasia usada por Ney no Carnaval de 2015, na escola de samba Mocidade Azul. “Ele apareceu vestido de Cronos [o deus do tempo na mitologia grega] para mostrar que, assim pisa na avenida, consegue parar o tempo”.
Antes da exibição do filme será lançada uma exposição com quatro fantasias criadas pro Souza para carnavais diferentes.
Profissional sim, folião não
Apesar de ser o carnavalesco mais célebre de Curitiba, Ney Souza conta que nunca foi folião. “Sempre fui um profissional do Carnaval. Tinha rotina de viagens, horários, cada dia num lugar e clube diferente, nada de beber e ficar na fuzarca até às cinco da manhã, porque no outro dia tinha de novo”.
Nascido em Prudentópolis, na região central do estado, Souza fez história não só nos desfiles de Carnaval, mas também como estilista e figurinista de teatro.
O ofício ele desenvolveu em uma temporada de quatro anos em Buenos Aires na década de 1960. “Foi o momento chave da minha vida. Era um absurdo, eu gostava de costura. Não existia faculdade. Um homem não podia entrar no local aonde senhoras aprendiam corte e costura, nem pensar”.
Foram dele os figurinos da montagem do “Quebra-Nozes”, a primeira grande peça do ballet Teatro Guaíra, em 1980. Souza também estima ter vestido milhares de noivas curitibana que recebia em seu atelier. Hoje ele se diz aposentado e tem como objetivo tirar do papel um projeto de um museu da moda em Curitiba.
Carnavalesco foi um grandes nomes do tempo dos desfiles de fantasias
Entre as décadas de 1960 e 1980, Ney Souza rivalizou com o “inimigo íntimo” Evandro de Castro Lima pelo segundo lugar nos concursos de fantasia.
- Sandro Moser
Ninguém defendeu com tanto luxo o nome do carnaval curitibano como Ney Souza. Entre as décadas de 1960 e 80 ele foi um dos protagonistas dos bailes e concursos de fantasias que eram a grande atração do calendário carnavalesco principalmente no Rio de Janeiro.
Nos salões do Hotel Glória e do clube Sírio Libanês e em outros bailes de fantasia, Ney rivalizou com Evandro de Castro Lima como o maior criador de fantasias do país, já que Clóvis Bornay era considerado hours-concours.
“Ele era meu inimigo íntimo. Nos dávamos bem, nos visitávamos, viajávamos juntos, dormíamos no mesmo quarto pelo Brasil e no Exterior. Mas na hora do Carnaval, um não sabia da roupa do outro e o resto não me interessava, só a disputa era com ele. E eu ganhei várias vezes dele”.
Com seu 1,90 m de altura Ney Souza costumava usar fantasias que pesavam até 60 quilos e o deixavam ainda mais alto. “Um tempo que não volta mais”, segundo Souza. A sociedade e o carnaval mudaram muito. Mas que foi bom enquanto durou. “Vivi de festa. Não fiz outra coisa na vida. Carnaval, vestindo luxo, trabalhando com tecidos finos, ouvindo boa música para poder criar. Nunca fui oprimido por ser quem eu sou”.
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