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O cineasta finlandês Mika Kaurismäki veio ao Brasil, em 1988, para o lançamento do filme "Helsinque - Nápoles (All night long)" no Festival do Rio de Janeiro. Saiu disposto a ficar uma semana e, segundo ele, está por aqui até hoje. Apaixonou-se tanto pela cidade que comprou uma casa em Santa Teresa, mas, principalmente, começou uma história de amor com a música brasileira. Percorreu quatro mil quilômetros pelo país para realizar o documentário, "Moro no Brasil", em 2001.

Num debate após a apresentação do filme na Suíça, foi perguntado sobre a ausência do choro em meio a dezenas de manifestações musicais. A resposta foi a de que o choro precisaria de um filme só para ele para ser razoavelmente esmiuçado, mas que um dia faria esse projeto. Então o sujeito que o questionou, Marcos Forster, se ofereceu para produzir o filme, coisa que nunca havia feito antes. O resultado é o belo filme "Brasileirinho", que entra em cartaz nesta sexta.

O filme é uma abordagem por vezes didática, por vezes despretensiosa, do choro e suas diversas vertentes. O mérito de Mika é usar sua curiosidade e seu olhar estrangeiro justamente a favor da compreensão de uma arte secular mas que só agora parece quebrar as amarras da clausura. Mais que contar a história do choro ou mostrar um por um seus grandes mestres, ele se propõe justamente a revelar a reverência dos jovens músicos pelos mais antigos, as relações de convivência dentro das rodas - onde mesmo o solista mais virtuoso joga a favor de uma coletividade - e como o gênero, então confinado em redutos de chorões, ganhou as salas de aula a partir do renascimento da Lapa há uma década.

Mika, que nos anos 90 teve um bar de samba em Ipanema, o Mika's Bar, conheceu ali algumas pessoas que foram fundamentais para este trabalho como os violonistas Marcello Gonçalves e Yamandú Costa, o saxofonista Paulo Moura e o cavaquinista Henrique Cazes.

- O Trio Madeira Brasil acabou sendo o condutor, o anfitrião deste projeto, que teve o Marcello Gonçalves (um dos integrantes do trio que tem ainda Zé Paulo Becker e Ronaldo do Bandolim) como diretor musical. Acho importante porque são músicos que estão justamente na fronteira entre o choro tradicional e o moderno - conta de Helsinque, "louco para voltar para o Brasil", o diretor. - Pensei na coisa da roda de choro, em apresentar os instrumentos básicos, os músicos. Quis mostrar o choro como uma maneira de tocar uma música. O choro abrigou outros estilos e também é flexível quanto ao formato, podendo ser apresentado por um violão solo, por um trio, ou mesmo por uma big band.

O filme parte de um enredo simples: o Trio Madeira organizando um show comemorativo do Dia Nacional do Choro, no Teatro Municipal de Niterói. Pode-se reclamar da ausência do Época de Ouro, lendário grupo formado por Jacob do Bandolim, mas alguns de seus integrantes estão lá como o violonista Carlinhos Leite, o já citado Ronaldo do Bandolim, e Jorginho do Pandeiro, mas, mais que uma história, "Brasileirinho" é o registro de belos encontros musicais, armados ou não, de grandes músicos, e de um momento único da nossa música.

O filme é um retrato feliz de um momento especial da música brasileira, quando o choro ganhou uma dimensão nunca antes alcançada. O gênero que sempre esteve apoiado em gênios como Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Waldir Azevedo, Dino Sete Cordas, Meira, Raphael Rabello e outros vive um processo de renovação e massificação único.

Mika Kaurismäki parte de depoimentos de músicos para mostrar o universo da Escola Portátil de Música - criado por alguns dos melhores músicos cariocas como Luciana Rabello, Pedro Amorim e Maurício Carrilho e que hoje tem fila de espera de mais de 500 alunos - os bares da Lapa e as reuniões de chorões. Na fita há também momentos únicos como Yamandú Costa tocando João Pernambuco e Ernesto Nazareth; Zezé Gonzaga interpretando "Falando de amor", de Tom Jobim; Zé da Velha e Silvério Pontes, a menor big band do Mundo mandando ver em "O bom filho à casa torna", de Bonfiglio de Oliveira; e Paulo Moura em um baile na gafieira Estudantina.

A participação dos baianos Edson 7 Cordas, Fred Dantas (trombone) e Joatan Nascimento (trompete); dos "Matutos", de Cordeiro; do próprio gaúcho Yamandú e do brasiliense Hamílton de Holanda mostram também que o Rio tornou-se o Eldorado dos instrumentistas do choro.

Mika lembra que o choro é a grande escola dos instrumentistas brasileiros, influenciando de Villa-Lobos a Tom Jobim; de Radamés Gnattali a Guerra-Peixe:

- O choro hoje é a grande escola dos músicos que se iniciam na profissão. Mesmo que mais adiante vá migrar para outros gênero, a base musical brasileira foi escrita pelos chorões.

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